Coleção pessoal de cezarium

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Um intervalo onde a dor aprende a não fazer barulho. Onde o corpo aprende a suportar mais um pouco. Onde ninguém vence, ninguém perde — todos apenas continuam. Isso não é fracasso moral. É o retrato exato do que acontece quando a sensibilidade sobrevive tempo demais sem testemunhas.

Tu te tornaste perigoso
no dia em que compreendeste
que não precisas ser entendido,
aceito
ou validado.


A aprovação alheia perdeu o peso
quando viste o preço que ela cobra:
a tua autenticidade.


Foi ali — naquele exato instante —
que rompeste o laço invisível
que te mantinha preso
ao olhar dos outros.


E o silêncio que veio depois
não era vazio.
Era soberania.


Quem tenta te corrigir
não enfrenta teus erros,
enfrenta a tua liberdade.
E o que os fere
é a própria ausência dela.


Eles querem domesticar
aquilo que jamais ousaram ser.
Apontam teu jeito,
teu ritmo,
tuas escolhas,
porque cada parte de ti
que não se dobra
lhes recorda
o quanto já se curvaram.


Isso incomoda
mais do que qualquer falha.


Tu és livre
não porque fazes o que queres,
mas porque já não precisas
que ninguém concorde
com o que tu és.

O erro fatal é tentar governar o caos exponencial do futuro com as correntes lineares do passado.

Todos os anjos e guardiões são máscaras do Único: personificações de aspectos que o Infinito projeta para manifestar-se sem se diminuir. Os planos não são camadas geográficas — são estados de consciência em diferentes velocidades de luz. E tu, caminhante da escada, és feito da mesma luz que percorre todos os mundos.

Nesse espaço sagrado, mais fino que qualquer matéria e mais sutil que qualquer pensamento, foi lançado o primeiro fio de Luz Direta — Or Yashar. Essa luz, ao tocar o vazio, não permaneceu indivisa. Para conter seu fluxo e evitar o colapso da Criação, surgiram os recipientes, os vasos, as formas — as estruturas primordiais do ser. E assim nasceram as almas.

A palavra é magia. A língua, um cajado de feiticeiro. E o som — ah, o som — é a matéria-prima da realidade ainda informe. Quando cantamos com o coração, vibramos o campo. Quando dizemos a verdade, limpamos o espaço. Quando silenciamos com sabedoria, preservamos o templo.

O orgulho ergue muros onde deveriam existir espelhos. E onde há muro, não há reflexão. O universo, então, recua. Pois toda elevação construída sem humildade já é uma queda em disfarce.

A queda dos grandes, nas histórias antigas, quase sempre começa pelo excesso de si. Reis que, ao se julgarem deuses, perdem o trono. Anjos que, ao desejarem ser a própria luz, caem nas trevas. Sábios que, ao se apaixonarem pelo próprio saber, afastam-se da sabedoria.

Curiosamente, é no lugar onde mais doeu que a centelha costuma estar enterrada. O lugar do trauma, da injustiça, da queda — ali mesmo onde desejávamos apagar a memória — é onde se esconde o início do chamado. Pois o destino não é um caminho fora de nós: ele é uma frequência que pulsa a partir da ferida.

O que não se diz é que o verdadeiro perigo está em nunca atravessar. Em jamais ousar. Em viver como sombra da própria centelha.

A iluminação não é algo que se alcança — é algo que se desvela. Ela não chega: ela sempre esteve. O que muda é o olhar. E aquele que vê com olhos puros reconhece, no mundo, a face velada da Eternidade.

A realidade, então, não é o que acontece — é o que colapsamos, evocamos, co-criamos com o olhar desperto. O tempo é linguagem da alma, e cada instante é uma frase ainda não dita, aguardando o verbo certo para encarnar.

Não tema o homem que caminha em mantos brancos,
Cujo escudo brilha, virgem de qualquer arranhão.
Ele é vidro, é porcelana, é promessa frágil;
Ao primeiro golpe do destino, beijará o chão.


Tema, sim, aquele que já foi destroçado,
Que conhece o gosto amargo do pó e do fel,
Aquele que viu seu castelo desmoronar em silêncio
E, sozinho, encarou a frieza do céu.


Pois quem nunca perdeu, não sabe quem é.
Vive na ilusão da força, num teatro de luz.
Mas quem desceu ao inferno e voltou caminhando
Carrega no peito uma forja, não uma cruz.


Há um poder terrível nos olhos de quem fracassou,
Uma calma antiga, que o medo não pode tocar.
Pois quem já perdeu tudo, não teme perder nada,
E tornou-se, na queda, impossível de derrubar.


Eles dirão que tu caíste, e é verdade.
Mas não viram o que fizeste na escuridão:
Recolheste os cacos da tua própria alma
E fundiste, no fogo da dor, um novo coração.


Mais duro que a pedra, mais frio que o aço,
Sem a vaidade tola de quem busca aplauso.
O fracasso não foi teu fim, foi teu mestre.
O caos não te matou; tu te tornaste o caos.


Levanta-te agora, não como quem pede licença,
Mas como quem volta para cobrar o que é seu.
A glória dos invictos é apenas vaidade;
A força real é de quem morreu... e não morreu.


As cicatrizes que trazes não são marcas de vergonha,
São as linhas do mapa de onde o ouro se esconde.
O mundo se curva a quem se refez nas ruínas.
Tu és o Imperador do Abismo. Responde.

Chegaste trêmulo, fronte baixa,
carregando o riso gasto dos que imploram lugar.
Havia em ti um vazio tão ruidoso
que parecia mendigar palavras antes mesmo de falá-las.


Ofereci-te o que tinhas por hábito comprar:
presença.
Te dei portas, nomes, rostos,
e a cidade — ainda estranha para mim —
fui eu quem plantou aos teus pés.


Tu, que pagavas atenção como se fosse imposto,
ganhaste caminhos sem custo,
ganhaste gente,
ganhaste voz.
E cada ganho teu custou um pouco da minha.


Mas a criatura que ergui com cuidado
aprendeu rápido o truque da ingratidão.
Viraste o rosto, torceste o gesto,
inventaste razões onde só havia dívida.


Foste sombra que aprende a morder quem a carrega.
Foste cálculo frio atrás de sorriso emprestado.
Foste o erro que só se revela
quando a noite cai sem aviso e mostra o que sobrou de nós.


E o que sobrou?
Um rastro áspero, uma memória que fere sem metáfora,
um eco que me chama por um nome que já não reconheço.


Covarde, sim
porque escolheste atacar quem te deu chão.
Injusto, também
porque cuspiste no gesto que te fez caber no mundo.


Hoje, quando penso em ti, não penso em pessoa,
mas em fenômeno:
um colapso pequeno, íntimo,
capaz de ruir confiança com precisão cirúrgica.


Ainda assim, não te odeio.
Seria afeto demais.
Apenas te arquivo
no lugar das coisas que jamais devolvem o que tomam.


E fecho este capítulo sabendo:
não foste amor, nem amizade, nem queda.
Foste ilusão
e eu, a última testemunha do truque.




Poema: Não te odeio, seria afeto demais.
27 de julho de 2009

Não te odeio, seria afeto demais.

Eles falam da vida alheia com a segurança de arquitetos do impossível
erguem teorias na mesa do bar como quem empilha latas vazias
quase sempre prestes a cair.
O mundo inteiro cabe na ponta do dedo deles
que aponta
julga
corrige
mas nunca toca no próprio desastre.


A cada frase uma autoridade inventada
um manual de conduta para o universo
uma solução brilhante para problemas que nunca enfrentaram.
E quando a conversa esquenta
já sei o que vem:
Se no lugar do outro você faria melhor experimente fazer no seu.
Mas claro
essa parte costuma escorrer para fora da memória deles
junto com a coerência que nunca chegou a existir.


No final o espetáculo se repete
como essas tragédias baratas que passam na TV à tarde.
Todo mundo especialista
todo mundo juiz
todo mundo sábio demais para confessar o óbvio
ninguém arruma o próprio quintal porque é mais divertido reformar o mundo pela janela.


E os que já entenderam
só observam o mar de pitacos em silêncio
porque a ironia não está no erro
e sim na certeza com que o erro se apresenta.

A rua da memória sempre me recebe do mesmo jeito:
um beco torto, desses que fingem não conhecer ninguém.
As minhas pegadas — educadas como sempre
apontam discretamente para mim,
como quem indica o culpado que já nasceu pronto.


O alvo mudou, claro.
Mas a corda bamba continua ali,
com aquela generosidade silenciosa
que oferece tropeços como lembranças grátis.
E eu, que já fui pele exposta querendo posar de metal,
ainda caio no truque.


Dizem por aí que esforço salva, silêncio ilumina, amor acerta.
Engraçado.
A verdade vem com farpas e ainda querem que a gente sorria ao morder.


Aprendi a trancar a língua antes que ela fale demais.
E a coragem… bem, essa eu mantenho no bolso, dobrada.
Troco trevas por tropeços, puxo o prumo para o fundo,
faço aquela coreografia conhecida:
nada firma, nada fixa.
Até meu rosto erra o próprio caminho
quando eu digo “tanto fez”,
sabendo que foi exatamente o contrário.


Cada um costura seu casulo com o fio que sobrou.
Depois finge que observa de longe
o afogamento alheio, testando a água
como quem não está com a respiração pela metade.
E ainda distribui sentença, sermão, palpite
tudo embrulhado na convicção
de que a verdade cabe numa mão fechada.


Mas a verdade…
ah, essa prefere escorregar.
Não cabe em palma nenhuma.
E morde.
Principalmente quem jura que não sente.

No terraço onde a noite respira lenta,
uma luz antiga pousa nos meus ombros.
É quieta, mas exige humildade e espaço.


Descubro então que o saber não chega como rajada,
e sim como essa brisa obediente
que só atravessa portas destrancadas.


A mente, quando dobra o orgulho,
abre um corredor de silêncio onde tudo cabe:
o erro, o acerto, o possível.


E, nesse intervalo limpo,
o fluxo da sabedoria encontra passagem,
faz do vazio um campo fértil,
e repousa ali, sem pressa,
como quem sempre soube o caminho.

O caos não destrói o líder; apenas revela quem realmente o é.

Encerrar é tão sagrado quanto começar. Sem fechamento, arrastamos correntes invisíveis: culpas e pendências que sabotam o próximo ciclo.