Coleção pessoal de CarlosVieiraDeCastro

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⁠A MENINA E O GLOBO DE NATAL

Era véspera do evento
Do Natal, à última hora.
A menina de sete ou oito
Anos, pobre mas muito mimada,
Com o seu pedido afoito,
Disse ao pai duma assentada:
- Quero um mundo iluminado!
E o pai lá foi animado,
Com alguém mesmo na hora,
À procura de um globo
Mais redondo que um ovo
E com luz de dentro pra fora.
Só na cidade o achou,
Depois de tanta demora,
Alguém então embrulhou
Tal presente de Natal
Com luz de dentro pra fora,
Que parecia um arraial.
A menina cresceu,
Vieram os quarenta e tais...
O globo resistia ao pó,
Tão só,
Sem lhe acenderem a luz
Que ilumina os mortais,
Num brilho que até seduz.
É outro agora o mundo dela,
Não o atirou pela janela,
Nem o encerrou num nicho,
Apenas e só por capricho
E sem mais chus nem bus,
Despachou-o para o lixo...
...E ele ainda dava luz!

(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 14-12-2023)

NATAL ÍNTIMO E ÚNICO

⁠O Homem Cristo,
O Jesus,
É a misteriosa voz,
Falante em alguns de nós,
Num misto
De sensações,
Que agora até nos seduz
Desde o nascimento à cruz,
Conforme as disposições.

Que ninguém nos leve a mal
Nas coisas dos sentimentos,
A vida rebenta em eventos,
Sacros ó profanos é igual,
Por mim, é sempre Natal.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 12-12-2023)

NATAL DA REVOLUÇÃO

⁠Natal. Que revolução
Vai dentro de mim, agora:
Porque não veio o nevão
Da neve cinzenta de outrora?

Falo pelo país de mim,
Gente pobre e tão feliz,
De ser pobre e mesmo assim,
Numa esperança sem raiz.

Mesmo sem o tal nevão,
Do frio da nostalgia,
Eu prefiro ser chorão,
Que profeta da idolatria.

Haverá Natal de conceito
Sem aquela representação
Dum presépio tosco e feito,
Pela minha própria mão?

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 09-12-2023)

LUZ PERDIDA

⁠Tantos anos na escuridão,
Procurei um dia a luz
No túnel da ilusão,
O brilho que me seduz.

Fiquei cego na minha cruz
Da vida,
De tanto olhar sempre em vão,
A luz da minha partida.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 28-11-2023)

CASTANHAS

Aqui, chegaram em tempos
De outros tempos...
Talvez omissos
Nem derriços,
Mas com muitos ouriços,
As castanhas
De raças tamanhas,
Pequenas ou alentadas,
Agora cozidas, fritas ou assadas,
Em manjares de muitos nobres.

Em tempos iludia a fome aos pobres,
À míngua de mais alimento,
De melhor e gostoso sustento,
Numa vida de amargura.

É verdade, juro pela lua:
Eu perdi o meu juízo
E mais os dentes do sizo,
A trincar castanha nua.

Crua.

(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 27-11-2023)

⁠SAUDADES DE JÚPITER

Vivi tantos anos algures,
Num telúrico planeta
Chamado Terra...
Fugi para Júpiter um mês;
Esqueci o telúrico
E abracei o gasoso,
Num gozo
Sulfúrico.

Lá voltarei um dia, talvez …

Deixou-me saudades
O que Júpiter encerra,
Maior vapor
E muito mais amor,
Que na própria Terra,
De tantas necessidades.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 27-11-2023)

⁠ESPERANÇA E VIDA

Ando por cá, pela esperança,
Já porque a vida
Prometida,
Foi-se esvaindo
Desde o passado findo,
Rumo a um sonho de mudança.

Um poeta jamais descansa,
Sempre que descreve as dores
Que o espetam como uma lança,
No peito dos seus fervores.

Foi uma vida de dissabores,
De desgostos e alguns amores,
Num nascimento talhado
Debaixo dum pobre telhado,
Numa noite fria e breve
E dizem que caía neve
Gélida, branca e borralheira,
Nas mãos da minha parteira.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 26-11-2023)

DORES

⁠Dói-me uma perna e um braço,
Dores cruéis de suportar,
Chegam ao cérebro num passo
Sem sequer protocolar.

Dói-me o estômago e um rim
E torço-me como a serpente,
Em dores que gritam em mim
Como um animal demente.

Dói-me o coração no pico
Das emoções escaldantes,
Dói-me a alma quando fico
Sem dores no corpo gritantes.


(Carlos De Castro, In Há Um Livro Por Escrever, em 26-11-2023)

⁠A honestidade, é o suplício dos desonestos.

Lealdade, é a palavra maldita para os trapaceiros.

⁠O HOMEM E O URSO

Gostam de me chamar o velho,
Por este corpo desfigurado;
Sei que inflamo por capricho
Como urso branco sem brado,
Pelo destino de ser bicho.

Sou aquele pequeno grão
De areia,
Plebeia,
Nesta teia de ilusão,
Quase no fim do percurso.

Então em último recurso
E em termos de simpatia,
Prefiro mil vezes ser urso,
Que velho por analogia.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 18-11-2023)

Prefiro não ter um pássaro na mão, mas vê-los todos a voar⁠.
As aves, são os arautos da liberdade.

⁠SE

Se todos gostassem da minha poesia,
Jamais haveria
Paz no mundo.

O mar e as fontes secariam,
Os rios ao contrário correriam,
O ovo não teria gema
Nem o ovário
Seria berçário
De hormonas,
Neste meu mundo de sintomas
Da falta de teorema.

Seria o caos completo,
Tudo morreria
O absoluto e o obsoleto.

Por favor:
Para que haja paz no mundo,
Nunca leiam a minha poesia;
Podem até falecer de ironia,
Ou então ficar moribundo.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 12-11-2023)

⁠NÃO

Não fui eu que me inventei.
Nem projeto,
Nem desenho,
Apenas mais um da grei,
Pelo que sei,
Um ser de certo dialeto
E, já agora, convenho:
Simples, fiel, muito reto.

Fui na pobreza criado
E nunca algoz de ninguém
E muito menos bastardo,
Quer de pai ou de uma mãe.

Sou apenas o resultado
De um amor de vida a dois.
Com a minha voz se canta o fado,
Com a minha vara eu toco os bois.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 11-11-2023)

⁠VIDAS E ENCONTROS

Na rua dos sem esperança,
Entre cartões, lixo e encolhos,
Viram estes meus tristes olhos
Um ser sem futuro ou herança.

Nem sequer um ar de bonança
Da sorte que já lhe foi aos molhos,
Eu vi entre os seus escolhos
Nos olhos da sua lembrança.

Sentei-me então mano a mano
Ao pé dele, rosto de criança,
Mas eis que num gesto insano
Demonstrando inconfiança,
O pobre quase me rejeitou.

Deu um grito que me arrepiou
E da sua garganta avança:
Nunca a tempestade amainou
Nem me trará a bonança!

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 05-11-2023)

⁠DAQUI

Desta terra em que vos falo,
Outros em tempos a habitaram.
Consta que dela também se fartaram
Dos mandadores crista de galo.

Ó terra amarga de que não calo
As injustiças tamanhas,
Dos que a roubam sem abalo,
Por ardis e artimanhas.

Os ouriços embrulham castanhas
Com a carapaça picante,
Assim me rasgam entranhas
Gentes do pior tratante.

E então logo num instante
E sempre que for preciso,
Peço aos mandões não obstante,
Que tenham melhor juízo.

DOÇURAS

⁠Beijar teus cabelos,
Encostar os teus olhos aos meus,
Quentes,
Roçar a tua boca
Sôfrega,
Nos meus lábios
Sequiosos,
Tanger os teus seios
Com os meus dedos
Nervosos,
Entrar no teu ventre
Ofegante,
Através do rosado
Da abertura
Arfante,
Onde perdemos os sentidos
Num instante,
Do prazer que é rei
Dos nossos fluidos,
Que eu sei.

NA NOITE

⁠Era noite escura,
Tudo invitava ao descanso,
Até o rugido do mar era manso,
Convidando ao remanso.

Nisto, o chiar de pneus no asfalto,
Como um grito alto
Na noite serena e pura
Toda silêncio de negrura.

Gritos e bebedeiras loucas na noite.
Músicas tolas debitadas às paletes,
Que mais pareciam um açoite
Nos ouvidos, como foguetes
Estourando nas retretes.

Era uma discoteca na estrada,
Urros de animais grotescos,
No rebentar de fluidos
Dos possuídos
De duas patas quixotescos.

E a noite ia avançando
A chorar pelo seu descanso,
Já em maré de balanço.

Lembrou-se então,
Com emoção,
Dos tempos
De outros tempos,
Que era a dona do serão.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 31-10-2023)

⁠O VENTO A ÁRVORE E A CASA

Tarde de sábado.
A depressão do tempo castigava.

Agora, chamam depressão
Ao tempo mau que faz.
Porque não!?...
Mas o vento é sempre rapaz
E as árvores também femininas
Quanto velhas mais meninas.

Com a diferença que o vento
Tem agora mais lamento
E as árvores amém,
Nestas tardes sem ninguém.

O vento soprava,
A árvore balançava
Sobre a humilde casa.
Era aí que ele habitava,
Um homem pobre,
De rosto nobre.

Invocou os deuses dos ventos
E dos contratempos
A ver se a borrasca amainava.

Qual quê!?...
O vento insistiu,
A árvore caiu
E a casa humilde ruiu.

E ele deixou de acreditar
Nos deuses dos ventos
E contratempos.

Abriu os braços e pôs-se a voar.

(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 29-10-2023)

⁠O coração, em termos de emoção, deve ser sempre o último a escutar.
Nestas ocasiões, vale mais a razão de bem pensar, antes de agir.