Coleção pessoal de camilacorrea

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OS QUATRO FANTASMAS

Leiga, totalmente leiga em psicanálise, é o que eu sou. Mas interessada como se dela dependesse minha sobrevivência. Para saciar essa minha curiosidade, costumo ler alguns livros sobre o assunto, e outro dia, envolvida por um texto instigante - acho que da Viviane Mosé, que já foi mencionada nesta página anteriormente - me deparei com as quatro principais questões que assombram nossas vidas e que determinam nossa sanidade mental. São elas:
1) Sabemos que vamos morrer.
2) Somos livres para viver como desejamos.
3) Nossa solidão é intrínseca.
4) A vida não tem sentido.
Basicamente, isso. Nossas maiores angústias e dificuldades advêm da maneira como lidamos com nossa finitude, com nossa liberdade, com nossa solidão e com a gratuidade da vida. Sábio é aquele que, diante dessas quatro verdades, não se desespera.
Realmente, não são questões fáceis. A consciência de que vamos morrer talvez seja a mais desestabilizadora, mas costumamos pensar nisso apenas quando há uma ameaça concreta: o diagnóstico de uma doença ou o avanço da idade. As outras perturbações são mais corriqueiras. Somos livres para escolher o que fazer de nossas vidas, e isso é amedrontador, pois coloca responsabilidade em nossas mãos. A solidão assusta, mas sabemos que há como conviver com ela: basta que a gente dê conteúdo à nossa existência, que tenhamos uma vontade incessante de aprender, de saber, de se autoconhecer. Quanto à gratuidade da vida, alguns resolvem com religião, outros com bom humor e humildade. O que estamos fazendo aqui? Estamos todos de passagem. Portanto, não aborreça os outros e nem a si próprio, trade de fazer o bem e de se divertir, que já é um grande projeto pessoal. Volto a destacar: bom humor e humildade são essenciais para ficarmos em paz. Os arrogantes são os que menos conseguem conviver com a finitude, a liberdade, com a solidão e com a falta de sentido da vida. Eles se julgam imortais, eles querem ditar as regras para os outros, eles recusam o silêncio e não vivem sem os aplausos e holofotes, dos quais são patéticos dependentes. A arrogância e a falta de humor conduzem muita gente a um sofrimento que poderia ser bastante minimizado: bastaria que eles tivessem mais tolerância diante das incertezas.
Tudo é incerto, a começar pelo dia e a hora da nossa morte. Incerto é o nosso destino, pois, por mais que façamos escolhas, elas só se mostrarão acertadas ou desastrosas lá adiante, na hora do balanço final. Incertos são nossos amores, e por isso é tão importante sentir-se bem mesmo estando só. Enfim, incerta é a vida e tudo o que ela comporta. Somos aprendizes, somos novatos, mas beneficiários de uma dádiva: nascemos. Tivemos a chance de existir. De se relacionar. De fazer tentativas. O sentido disso tudo? Fazer parte. Simplesmente fazer parte.
Muitos têm uma dificuldade tremenda em aceitar essa transitoriedade. Por isso a psicoterapia é tão benéfica. Ela estende a mão e ajuda a domar nosso medo. Só convivendo com esses quatro fantasmas - finitude, liberdade, solidão e falta de sentido da vida - é que conseguiremos aravessar os dias de forma mais alegre e desassombrada.

O capricho da simplicidade
Bom gosto e mau gosto custam a mesma coisa, me disseram certa vez. Adotei a frase como minha, tanto concordo com ela. Aliás, o mau gosto às vezes custa até mais caro.
Eu estava numa grande loja, naquele esquema de "só estou dando uma olhada", quando vi uma senhora se apossar de uma bolsa como se tivesse encontrado o Santo Graal. Chamou a filha e mostrou: "Não é linda?". Agarrada à bolsa em frente ao espelho, ela virava de um lado, de outro, extasiada com a própria imagem carregando aquela bolsa de couro azul-turquesa com umas 357 tachas pretas. Eu já vi bolsa feia nesta vida, mas como aquela, nem nos meus pesadelos mais tiranos.

Mas a tal senhora estava apaixonada pela bolsa. Mostrava a etiqueta com o preço para a filha e dizia: "E nem é tão cara!".

Nem é tão cara? A loja deveria estender um tapete vermelho e chamar banda de música para quem levasse aquele troço por R$ 5.

E a senhora voltava pro espelho, se olhava, levo ou não levo? Eu tive vontade de cutucar o ombro dela e dizer pelamordedeus não faça essa loucura, olhe em volta, tem bolsa muito mais bonita, com mais classe, mais usável, deixe essa coisa medonha pra lá.

Claro que não me meti e saí da loja antes de ver a tragédia consumada.

E então fiquei pensando nessa história de bom gosto e mau gosto, classificação que os politicamente corretos rejeitam, dizendo que gosto cada um tem o seu e fim de papo. Não é bem assim: a diferenciação existe. O que não impede que pessoas de bom gosto errem, e pessoas de mau gosto acertem - de vez em quando.

Cheguei em casa e fui reler um texto escrito por Celso Sagastume, em que ele defende que bom gosto se aprende. Que uma pessoa começa a gostar do que é bom quando adquire bagagem cultural (através de viagens e do acesso à arte) e quando tem humildade para observar pessoas e lugares reconhecidamente sofisticados e extrair deles a informação necessária para compor o seu próprio bom gosto.

Sofisticação, no entanto, tem variadas interpretações. Eu não troco uma charmosa bolsa de palha por uma Louis Vuitton e pode me chamar de maluca. Nunca duvidei de que menos é mais, e acho que estou me saindo razoavelmente bem, com uma porcentagem aceitável de deslizes.

Bom gosto e mau gosto custam a mesma coisa, me disseram certa vez. Adotei a frase como minha, tanto concordo com ela. Aliás, o mau gosto às vezes custa até mais caro. Ninguém precisa de muito dinheiro quando tem capricho e noção.

Capricho para tornar sua casa confortável, alegre e preparada não para uma foto ou uma festa, mas para ter história. Capricho para escrever um e-mail mantendo certa diagramação e um português correto. Capricho ao se vestir, deixando de se monitorar por grifes e valorizando mais o estilo.

Capricho é cuidado e atenção. Flores frescas nos vasos, unhas limpas, música em volume adequado, educação ao falar, abajures em vez de luz direta, um toque personalizado e uma pitada de bom humor em tudo: nas atitudes, no visual, até na bagunça do escritório, que uma baguncinha também tem seu charme.

Onde eu quero chegar com isso? Na bolsa azul-turquesa com 357 tachas pretas que a gente carrega desnecessariamente por falta de treinar o olho para as coisas mais simples.

POEMA da SAUDADE

Em alguma outra vida,devemos ter feito algo muito grave,para sentirmos tanta saudade...
Trancar o dedo numa porta doí.
Bater o queixo no chão doí.
Doí morder a língua,cólica doí, doí torcer o tornozelo.
Doí bater a cabeça na quina da mesa,carie doí,pedras nos rins também doí.
Mas o que mais doí é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma brincadeira de infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade de nós mesmo,o tempo não perdoá.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se Ama.
Saudade da pele,do cheiro,dos beijos.
Saudade da presença,e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto,sem se verem,mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ele para a trabalho,mas sabiam-se onde.
Você podia ficar sem vê-lo,e ele sem vê-la,mas sabiam-se amanhã.
Contudo,quando o Amor de um acaba,ou torna-se menor no outro.
Sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber se ele continua fungando num ambiente mais frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Se aprendeu a entrar na internet,se aprendeu a ter calma no trânsito.
Se continua preferindo cerveja a uísque(e qual a cerveja)
Se continua sorrindo com aqueles olhos apertados,e que sorriso lindo.
Será que ele continua cantando aquelas mesmas musicas tão bem(ao menos eu admirava)?
Será que ele continua fumando e se continua adorando Mac Donald's?
Será que ele continua não amando os livros,e ela cada vez mais?
E continua não gostando de dar longas caminhadas,e ela não assistindo televisão?
Será que ele continua gostando de filmes de ação,e ela de chorar em comédias.
Será que ela continua lendo os livros que já leu?
Será que ele continua tossindo cada vez que fuma?
Saber é não saber mesmo!!!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais longos,não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento.
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música,não saber como vencer a dor
de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ele está com outra,e ao mesmo tempo querer.
É não saber se ele está feliz,e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro,se ele está mais belo.
Saudade é nunca mais saber de quem se Ama e ainda assim doer.
Saudade é isso que senti(e sinto) enquanto estive escrevendo e o que você (deveria)
provavelmente estar sentido agora depois que acabou de ler.”
Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade!

É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante. No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office-boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.

O PERMANENTE E O PROVISÓRIO

O casamento é permanente, o namoro é provisório.
O amor é permanente, a paixão é provisória.
Uma profissão é permanente, um emprego é provisório.
Um endereço é permanente, uma estada é provisória.
A arte é permanente, a tendência é provisória.
De acordo? Nem eu.

Um casamento que dura 20 anos é provisório. Não somos repetições de nós mesmos, a cada instante somos surpreendidos por novos pensamentos que nos chegam através da leitura, do cinema, da meditação. O que eu fui ontem, anteontem, já é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o que conta, minhas decisões valem pra agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.

Amor permanente... como a gente se agarra nesta ilusão. Pois se nem o amor pela gente mesmo resiste tanto tempo sem umas reavaliações. Por isso nos transformamos, temos sede de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos imensuráveis erros, nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos achando que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro da nós, mas seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida e o que vocês sentem. Tudo pulsando independentemente, e passíveis de se desgarrar um do outro.

Um endereço não é pra sempre, uma profissão pode ser jogada pela janela, a amizade é fortíssima até encontrar uma desilusão ainda mais forte, a arte passa por ciclos, e se tudo isso é soberano e tem valor supremo, é porque hoje acreditamos nisso, hoje somos superiores ao passado e ao futuro, agora é que nossa crença se estabiliza, a necessidade se manifesta, a vontade se impõe – até que o tempo vire.

Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível. Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.

Sensações, como são difíceis de serem expressas...
O coração bate tresloucadamente, as mãos suam, nervos à flor da pele e aquela incerteza latente: ligar ou não ligar? E se ele não lembrar de mim? E se simplesmente me ignorar? O que fazer...
Coração retumbando dentro do peito, ansiedade pura, pulsação como se tivesse acabado de correr uma maratona... E então ela decide: vou ligar e seja o que Deus quiser!
Levanta de sua mesa de trabalho, atrolhada de processos complicadíssimos que destrincha com a maior facilidade e o medo se apodera dela... Não vou desistir, hoje eu vou ligar... Seus dedos tremulam ao digitar os números, código da operadora,2 números, código da área, + 2, número do telefone, + 08, são doze intermináveis números que ela digita durante os quais ela simplesmente não raciocina para não desistir.
Números discados, telefone chamando, toca uma, duas, três, ela já até está querendo desligar pensando “viu, ele não atendeu, a culpa não foi minha”! Quando ouve um alô do outro lado, daquela voz tão conhecida, jamais esquecida, apesar do tempo passado, ela tira uma forca que não sabia que possuía e começa a falar... Primeiro coisas triviais, “como tu estás, e o trabalho, saúde?” e todo aquele papo educado que aprendemos a ter, como dizem os franceses “come il faut”... Perguntas que vão, respostas que vêm, questões respondidas e o tempo passando e ela pensando: “eu não vou conseguir...” Mas ela é uma mulher determinada, que aprendeu a lidar melhor com suas emoções e que acha extremamente injusto esconder seus sentimentos dos outros e de si própria...
Então menciona: "isto não têm nada a ver com você, eu é que preciso te dizer isso..." respira fundo e solta o verbo, com uma coragem que vem das entranhas: “tu não sabes como eu te amei naquela época...”, ela nunca havia dito isso com todas as palavras: EU TE AMO! Apesar das atitudes indicaram, os olhos falarem, mas a boca era reprimida... Não conseguia dizer durante todos os momentos apaixonados e maravilhosas vividos, essas palavras mágicas... ela ainda era uma menina-mulher, confusa, apaixonada... e achava que não dizendo isso, deixava de entregar o que já havia sido entregue há muito tempo: sua alma, seu coração e seu corpo... Quanta bobagem... só o tempo e a experiência a deixaram ver isso... Vitória! Ela disse! Conseguiu! Está em paz com sua consciência. Disse a quem nunca havia dito que o amava, apesar de um atraso de dez anos, mas isso é detalhe! Ela deixou de dizer, ele deixou de ouvir, será que mudaria algo? Agora isso não interessa... Ele pareceu um pouco perturbado e diz que ficou emocionado... Retribuí com o velho jargão “eu também gostei muito de ti”...
Ela não acredita que cumpriu a missão que tinha estabelecido para si mesma, então se despede: “um beijo para ti” e desliga.

Volta para sua sala, senta em sua mesa, em frente ao seu computador, como se nada tivesse acontecido! Tudo parece igual, seus colegas sérios trabalhando, os processos se avolumando e ela tenta se concentrar, seus olhos enchem de lágrimas, ela havia vencido mais uma batalha! Ela era uma mulher de verdade que não esconde o que sentiu, sente e sentirá! Cresceu e amadureceu!
Se parabeniza mentalmente e pensa: “a liberdade realmente é azul!”

Eu, modo de usar:

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas… permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza.
Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. (Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).
Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem… gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.
Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca… Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família… isso a gente vê depois… se calhar… deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos… me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar… experimente me amar!

EU TE AMO… NÃO DIZ TUDO!

Você sabe que é amado(a) porque lhe disseram isso?

A demonstração de amor requer mais do que beijos, sexo e palavras.

Sentir-se amado é sentir que a pessoa tem interesse real na sua vida.

Que zela pela sua felicidade,
Que se preocupa quando as coisas não estão dando certo.

Que se coloca a postos para ouvir suas dúvidas,
E que dá uma sacudida em você quando for preciso.

Ser amado é ver que ele(a) lembra de coisas que você contou dois anos atrás.

É ver como ele(a) fica triste quando você está triste,
E como sorri com delicadeza quando diz que você está fazendo uma tempestade em copo d'água.

Sente-se amado aquele que não vê transformada a mágoa em munição na hora da discussão.

Sente-se amado aquele que se sente aceito, que se sente inteiro.
Aquele que sabe que tudo pode ser dito e compreendido.

Sente-se amado quem se sente seguro para ser exatamente como é,
Sem inventar um personagem para a relação,
Pois, personagem nenhum se sustenta muito tempo.

Sente-se amado quem não ofega, mas suspira;
Quem não levanta a voz, mas fala;
Quem não concorda, mas escuta.

Agora, sente-se e escute: eu te amo não diz tudo!

Ser feliz não é pecado

A felicidade é desprezada por muita gente. A pessoa feliz sofre o preconceito de parecer uma pessoa vazia, sem conteúdo. No entanto, algo ela tem, senão não incomodaria tanto. Será que é porque ela nos confronta com nossa própria miséria existencial? É irritante ver alguém naturalmente linda, rica, simpática, inteligente, culta, talentosa, apaixonada e, ainda por cima, magra! Essa ninfa nunca ouviu falar em insônia, depressão, dívidas, mousse de chocolate?

Os felizes ainda estão associados ao padrão "comercial de margarina", portanto, costumam ser idealizados - e desacreditados. É como se fossem marcianos, só que não são verdes. Por isso, damos mais crédito aos angustiados, aos irônicos, aos pessimistas. Por não aparentarem possuir vínculo com essa tal felicidade, dão a entender que têm uma vida muito mais profunda. Você é feliz? Não espalhe, já que tanta gente se sente agredida com isso. Mas também não se culpe, porque felicidade é coisa bem diferente do que ser linda, rica, simpática e aquela coisa toda. Felicidade, se eu não estiver muito enganada, é ter noção da precariedade da vida, é estar consciente de que nada é fácil, é tirar algum proveito do sofrimento, é não se exigir de forma desumana e, apesar (ou por causa) disso tudo, conseguir ter um prazer quase indecente em estar vivo.

O psicanalista Contardo Calligaris certa vez disse uma frase que sublinhei: "Ser feliz não é tão importante, mais vale ter uma vida interessante". Creio que ele estava rejeitando justamente esta busca pelo kit felicidade, composto de meia dúzia de realizações convencionais. Ter uma vida interessante é outra coisa: é cair e levantar, se movimentar, relacionar-se com as pessoas, não ter medo de mudanças, encarar o erro como um caminho para encontrar novas soluções, ter a cara-de-pau de se testar em outros papéis - e humildade para abandoná-los se não der certo. Uma vida interessante é outro tipo de vida feliz: a que passou ao largo dos contos-de-fada. É o que faz você ter uma biografia com mais de 10 páginas.

Se você acredita que ser feliz compromete seu currículo de intelectual engajado, troque por outro termo, mas não cuspa neste prato. Embriague-se de satisfação íntima e justifique-se dizendo que é um louco, apenas isso. Como você sabe, os loucos sempre encontram as portas do céu abertas.

Rita Lee, que já passou por poucas e boas, mas nunca se queixou de não ter uma vida interessante, anos atrás musicou com Arnaldo Batista estes versos: "Se eles são bonitos, sou Alain Delon/ se eles são famosos/ sou Napoleão/se eles têm três carros/ eu posso voar". Também faço da Balada do Louco meu hino, que assim encerra: "Mais louco é quem me diz que não é feliz".

Eu sou feliz.