Coleção pessoal de ateodoro72
Cá por essas bandas de um sol para cada um, que cada qual tenha a hombridade de não se descuidar do seu.
Nem superaquecer o outro.
Bom e abençoado dia de verão embalado nos 40.
Cá por essas bandas, onde há um sol para cada um, não nos falta luz — falta, às vezes, hombridade.
Hombridade para cuidar do próprio astro, regular o próprio calor e vigiar as próprias sombras.
Porque há quem, descuidado de si, tente aquecer a própria falta queimando o outro.
O verão ensina sem levantar a voz: o sol que amadurece também pode ferir.
Tudo depende da distância, do respeito, do tempo de exposição.
Há calores que nutrem e há calores que adoecem.
Que cada qual carregue o seu sol com responsabilidade,
sem invejar o brilho alheio,
sem projetar suas secas sobre jardins que não lhe pertencem.
Num dia abençoado, embalado nos quarenta,
que saibamos ser verão sem incêndio,
luz sem arrogância,
calor sem invasão.
Bom e abençoado dia, ainda que embalado nos 40.
São nos momentos em que não conseguimos revidar nem carinhos, que mais precisamos deles.
É justamente aí que eles revelam sua natureza mais alta.
Quando não conseguimos revidar — nem gestos, nem palavras, nem presença —, o carinho deixa de ser troca e se torna sustento.
Não vem como troca nem pagamento, mas como abrigo.
Não exige força, apenas permite existir.
Há dias em que a alma está tão cansada que até o afeto pesa nas mãos.
E, ainda assim, é nesses dias que ele se faz mais necessário: não para ser devolvido, mas para nos lembrar que continuamos dignos, mesmo esvaziados de nós mesmos.
O carinho verdadeiro não se ofende com o silêncio, não cobra performance, não exige reciprocidade imediata.
Ele sabe esperar…
Espera o outro se reinventar, se restaurar.
Sabe cuidar enquanto a gente reaprende a sentir.
Não é fácil entender como um mundo tão abarrotado de santos consegue fabricar tantos problemas.
Talvez porque santos demais, quando empilhados, deixam de ser testemunho e passam a ser ornamentos e julgamentos
Um mundo abarrotado de “santos” costuma falar mais alto sobre virtude do que praticá-la.
Há muita canonização apressada do próprio ego e pouca disposição para carregar até a própria cruz, quiçá a do outro.
Quando a santidade vira rótulo, ela já não transforma — apenas separa, acusa e justifica.
Os problemas não nascem da falta de discursos corretos, mas da hipocrisia, da ausência de mãos estendidas, de escuta sincera e de misericórdia silenciosa.
Afinal, se todos fossem realmente santos como acreditam, talvez o mundo fosse menos barulhento… e muito mais habitável.
Assusta-me muito menos o pecador assumido do que o santo fabricado.
Um pai imprestável é igual ou até pior que um c0rn0: o último a saber dos feitos dos próprios filhos.
Há ausências que gritam mais alto do que qualquer traição.
O pai imprestável não é apenas o que erra — é o que se ausenta do palco onde a vida do filho acontece.
Enquanto aprende tarde demais, não porque foi enganado, mas, porque nunca quis olhar.
Ser o último a saber não é azar, é consequência.
Não da falta de informação, mas da falta de presença.
Porque quem caminha junto percebe os passos antes do tombo, os sonhos antes da fuga, os feitos antes do aplauso alheio.
A ignorância, nesse caso, não é inocência: é abandono disfarçado.
E o preço disso não se paga em humilhação pública, mas em vínculos que não se formaram — e em histórias que o tempo já contou sem ele.
Talvez, se não nos esforçássemos tanto para chatear uns aos outros, não precisaríamos nos desprender da terra para conhecer o paraíso.
Provavelmente ele não esteja tão distante quanto aprendemos a imaginar, nem tão alto que exija asas, nem tão longe que nos peça despedidas.
Mas talvez ele se afaste toda vez que insistimos em ferir, provocar, disputar razão como quem disputa território…
Há um esforço tão medonho quanto curioso — quase disciplinado — em chatear o outro: palavras afiadas, silêncios estratégicos, julgamentos apressados.
E, enquanto gastamos energia cavando abismos, seguimos acreditando que o paraíso só se revela depois da ruptura final com a terra.
Mas se o paraíso fosse menos fuga e mais convivência?
E se fosse menos promessa futura e mais gesto presente?
Menos céu distante e mais chão respeitado?
Talvez o que nos expulse diariamente do paraíso não seja a terra, mas a incapacidade de habitar o outro com delicadeza.
E talvez, se desaprendêssemos a ferir, descobríssemos que o paraíso sempre coube aqui — entre um olhar que acolhe, uma mão que se estende, uma palavra que poupa e um silêncio que não machuca.
Pai, se não puderes passar de mim esse cálice, poupe-me ao menos dos amantes da espetacularização.
Não temo os tropeços, as tempestades ou a morte — nem minha, nem dos meus — pois nenhum destes barulhos consegue ser mais ensurdecedor que o espetáculo feito deles.
Há cálices que não doem pelo amargor do conteúdo, mas pelo coro que se forma ao redor deles.
O tropeço ensina, a tempestade depura, a morte silencia — todas cumprem um papel sagrado no trato da alma.
O que fere é o aplauso, o holofote aceso sobre a dor alheia, a pressa em transformar cruz em palco e lágrima em argumento.
Quem caminha com fé não pede a ausência da noite, mas a dignidade do escuro.
Não implora pela fuga da provação, mas pelo recolhimento necessário para atravessá-la.
Há dores que só frutificam no segredo, há processos que se perdem quando exibidos.
O espetáculo rouba o sentido; o silêncio, ao contrário, devolve profundidade.
Por isso, minha súplica parece-me justa: se o cálice não puder ser afastado, que ao menos não venha acompanhado da plateia.
Que a dor seja escola, não vitrine.
E que o barulho venha do céu, não dos que confundem compaixão com curiosidade e fé com entretenimento.
Amém!
Enquanto os idiotas da Esquerda e da Direita se digladiam, o encardido aplaude a agressividade cobrada pela medonha distração coletiva.
Porque enquanto imbecis se digladiam na arena da vaidade, convencidos de que lutam por ideias, quando, na verdade, brigam por espelhos, o encardido sutilmente se acomoda na arquibancada polarizada.
Não precisa sujar as mãos: a agressividade já foi terceirizada, cobrada como ingresso para o espetáculo da medonha distração coletiva.
O ódio vira método, o grito vira argumento, e a escuta é tratada como traição.
Cada lado acredita combater o mal absoluto, sem perceber que, ao demonizar — e até desumanizar — o outro, alimenta exatamente aquilo que diz enfrentar.
A distração é tão eficiente que ninguém nota o assalto tão silencioso quanto medonho: enquanto os punhos se levantam, a consciência abaixa a guarda.
O encardido não cria o caos — ele só o administra.
Aplaude quando a raiva substitui o pensamento crítico, quando a identidade vira trincheira e a complexidade é condenada como fraqueza.
Seu aplauso é mudo, mas constante, porque toda vez que alguém prefere ferir a compreender, o trabalho está feito.
Talvez a verdadeira resistência não esteja em escolher um lado mais barulhento, mas em recusar a coreografia do ódio.
Em interromper o aplauso invisível com um gesto raro e subversivo: silêncio para pensar, coragem para escutar, humanidade para discordar sem destruir.
Se a distração acaba, o espetáculo perde público — e o encardido, enfim, deixa de sorrir.
Quando nada mais conseguir nos distrair — senão pensar com a nossa própria cabeça — os inquilinos de mentes não encontrarão tantas cabeças disponíveis e dispostas a retroalimentar essa polarização medonha.
Quem sabe a dimensão do barulho de um diagnóstico é só quem o vive, os que fazem disso um espetáculo, só imaginam.
Os que atravessam o instante em que um diagnóstico cai sobre a própria vida, sabem: não é apenas uma palavra, é um estrondo que reverbera por dentro.
O barulho não vem do som, mas do silêncio que se instala depois — aquele em que o futuro precisa ser reaprendido, os planos se recolocam em caixas frágeis e o coração passa a ouvir demais.
Para quem vive, o diagnóstico não é manchete nem assunto de corredor.
É matéria de oração, de medo contido, de coragem silenciosa.
E é o peso de ter que continuar respirando enquanto a alma tenta entender o que mudou sem pedir permissão.
Já os que transformam isso em espetáculo ou comentário ligeiro escutam apenas o eco distante.
Imaginam o impacto, mas não conhecem o abalo.
Confundem curiosidade com empatia, opinião com presença e ruídos com cuidado.
Talvez por isso, diante do diagnóstico alheio, o gesto mais humano não seja perguntar, expor ou explicar — mas silenciar, respeitar e permanecer.
Porque há dores que não pedem palco, mas abrigo.
E há barulhos que só quem os escuta por dentro sabe o quanto ensurdecem.
Independentemente da prova que o Pai nos permitiu, aonde quer que estivermos, celebremos com júbilo o nascimento do Filho d'Ele.
Para muito além da prova que o Pai nos permitiu, há um convite que atravessa todas elas: celebrar.
Não porque a dor se ausentou, nem floresceu de repente, mas porque Deus decidiu nascer dentro da nossa história — inclusive nas suas frestas.
O Filho não veio quando tudo estava em ordem, veio quando o mundo estava cansado e carente.
Tudo era caos!
Ele não escolheu palácios, escolheu manjedouras.
Não aguardou aplausos, aceitou o silêncio interrompido apenas pelo choro de um recém-nascido e pela respiração dos que também não tinham muito a oferecer.
Por isso, aonde quer que estejamos — no vale ou no monte, na sala cheia ou no quarto solitário — há espaço para o júbilo.
Um júbilo que não nega a prova, mas a atravessa.
Um júbilo que não faz barulho para disfarçar a dor, mas canta baixo, com a alma ajoelhada.
Celebrar o nascimento do Filho do Homem é confessar que nem a noite, nem o medo ou a dúvida nos venceram.
É afirmar que, mesmo quando não entendemos o “porquê” da prova, confiamos no “para quê” do Amor.
É reconhecer que Deus não ficou distante do sofrimento humano — Ele entrou nele.
Que o nosso coração, onde quer que esteja, se faça manjedoura para o nascimento e renascimento do Filho do Homem.
Que o júbilo não seja euforia, mas esperança viva.
E que, mesmo em meio às provas permitidas pelo Pai, a Luz continue encontrando lugar para nascer em nós.
Feliz e Abençoado Natal para todos os que creem no Aniversariante de hoje.
Que o nosso Coração alcance a Graça de se transformar em Manjedoura para o Filho do Homem!
Que ele se esvazie das vaidades que o endurecem, e se torne simples o bastante para acolher o Eterno.
Que a palha seja livre da mágoa, do ódio, do lixo e de toda e qualquer podridão.
Que aceite o frio da noite, o silêncio do anonimato
e a humildade,
porque foi ali — e não nos palácios —
que o Amor decidiu nascer.
Que sejamos manjedouras, não por mérito,
mas por rendição.
Lugar pequeno, porém disponível.
Pobre de si, rico de entregas.
E que, ao receber o Filho do Homem,
nosso coração aprenda o milagre maior do Natal:
não apenas celebrar o Cristo que vem,
mas sustentar o Cristo que permanece.
Feliz e abençoado Natal!
Talvez seja muito mais fácil lidar com o barulho de quaisquer doenças permitidas por Deus do que com o barulho apressado das suas propagações.
Lidar com o peso silencioso de um diagnóstico permitido por Deus é tão pavoroso quanto lidar com o estrondo apressado dos que o espalham.
Uma enfermidade jamais alcançaria um filho de Deus sem a autorização d'Ele, mas o “disse me disse” — é escolha humana.
E a dor, esta, quando chega, costuma pedir recolhimento, tempo e respeito.
Ela ensina a alma a caminhar devagar, a ouvir o próprio coração e a buscar sentido onde o ruído não alcança.
Já o barulho da divulgação precipitada não cura, não consola e não edifica — apenas expõe, rotula, espalha o caos e multiplica feridas.
Há sofrimentos que são sagrados demais para virar assunto, estatística ou opinião.
Deus, em Sua permissão, conhece a medida exata do fardo que cada um pode carregar; as pessoas, em sua pressa, conhecem raramente a medida do silêncio necessário.
Entre o diagnóstico e a esperança, existe um santuário de silêncios onde só cabem a misericórdia, a oração e o cuidado.
Talvez o verdadeiro amor não esteja em falar rápido, mas em calar na hora certa.
Porque há dores que Deus confia ao coração… e há barulhos que o mundo faz sem jamais ter sido autorizado a fazê-lo.
Em que pese a fome apressada de informações, interesse e curiosidade coexistem, mas gritantemente se diferem.
Enquanto a curiosidade chega metendo os pés na porta, o interesse se oferece para trabalhar o caos nos cômodos que se apresentam.
Que nenhum diagnóstico se confunda com sentença, nem a informação com a exposição!
Amém!
Meu Pai só permitiu à Tristeza me abraçar até a minha alma aprender a chorar, porque Ele já havia tecido Lenços de Misericórdia.
Há dores que não chegam para nos destruir, mas para nos ensinar a linguagem que antes não sabíamos falar.
A Tristeza, quando autorizada pelo Pai, não vem como castigo, vem como professora silenciosa.
Ela nos abraça não para nos aprisionar, mas para que a alma — ainda rígida, ainda orgulhosa de resistir — aprenda a chorar.
Embora haja choros de remorsos e infortúnios, chorar é um verbo sagrado.
Ainda que muitos infalivelmente fortes considerem fraqueza.
Mas admitir isso seria também admitir que o Filho do Homem fraquejou.
É quando o coração finalmente admite que não é de ferro, que precisa ser cuidado, que não foi criado para atravessar desertos sozinho, longe do Pai.
E Ele sabe disso.
Por isso, Ele não impede o abraço da Tristeza de imediato.
Ele permite o tempo exato: nem um minuto além do necessário, nem um segundo aquém do aprendizado.
Enquanto a alma aprende a chorar, o céu trabalha em silêncio.
Cada lágrima encontra um destino, cada soluço é ouvido, cada queda é contada.
Antes mesmo que o pranto escorra pelo rosto, Lenços de Misericórdia já estavam sendo tecidos — fio por fio, com paciência eterna, do tamanho exato da dor.
Esses lenços não apagam a história, mas secam o excesso de peso.
Não negam a ferida, mas impedem que ela infeccione.
São gestos suaves de um Pai que nunca esteve ausente, apenas respeitou o processo.
Quando a Tristeza se retira, não leva consigo a fé; deixa uma alma mais humana no lugar, mais inteira, mais capaz de consolar.
Porque quem foi enxugado pela Misericórdia aprende, um dia, até a ser lenço nas mãos de Deus.
No jogo democrático, quem precisa diminuir, demonizar ou desumanizar o outro para sustentar uma opinião, pode — também — acreditar que a única ideia válida seja a dele.
Mas há um vício muito silencioso neste jogo: quando alguém precisa diminuir, demonizar ou desumanizar o outro para sustentar uma opinião, já não está defendendo ideias — está protegendo certezas.
E toda certeza que não suporta a existência do contraditório passa a exigir exclusividade, como se o debate fosse ameaça e não fundamento.
É nesse ponto que a democracia deixa de ser arena de escuta e vira palco de monólogos.
Não se argumenta para convencer, mas para calar.
Nem se discorda para construir, mas para anular.
Quem acredita que só a própria opinião é válida, não busca diálogo; busca submissão.
E onde a divergência é tratada como inimiga, a democracia não perde só o tom — perde o sentido.
“Moleques meninos”
mal alimentados por muitos sim, quase sempre viram esses
homens moleques.
Os furiosos que rejeitam todos e quaisquer nãos.
Com tanto sim, atravessado goela abaixo — sim, ao ego, sim, à impunidade, sim, à ideia de que o desejo masculino é prioridade — muitos “moleques meninos” cresceram mal alimentados do essencial: frustração, limite e escuta.
Não aprenderam cedo que o não jamais é afronta, mas fronteira, limite…
Não é humilhação, é linguagem.
Não é convite à fúria, é exercício de humanidade.
Criados à base de concessões e silêncios forçados, confundiram afeto com posse, insistência com direito e desejo com autorização.
E quando o mundo — especialmente as mulheres — ousa lhes negar algo, reagem como quem teve o prato retirado, não como quem foi chamado à maturidade.
O homem moleque não rejeita só o não: rejeita o espelho que ele oferece.
Porque todo não bem colocado revela o que falta — e encarar a própria falta exige mais coragem do que gritar, ameaçar ou ferir.
Não, nem é só não, como dizem os muitos que fingem preocupação com as mulheres do nosso país…
Talvez uma das maiores e principais urgências do nosso tempo não seja ensinar mulheres a dizer não, mas ensinar homens a sobreviver a ele.
Porque o não, quando respeitado, educa.
Quando ouvido, humaniza.
E, quando aceito, transforma moleques famintos em homens capazes de conviver — e não de dominar.
Enquanto isso não acontece, o “Não” seguirá sendo resistência.
E a reflexão, uma necessidade inadiável.
Não é humano a aceitação medonha de que mulheres continuem sendo desumanizadas — no Brasil e no mundo — por causa de um “Não”.
Às vezes, o barco resolve balançar um pouquinho mais, só para nos lembrar que o Filho do Homem tem autoridade até sobre a tempestade.
Quando eu era mais medo que fé, olhava mais para as águas agitadas…
Agora, sendo mais fé do que medo, já posso Vê-lo, vindo ter comigo, caminhando por sobre as águas!
Ele sempre está agindo!
Aos meus — consanguíneos e em Cristo — tende bom ânimo!
Basta um famoso qualquer — apaixonado e cheio de razão — tropeçar na arrogância do próprio salto, para as nossas cabeças alugadas se envaidecerem.
Especialmente se isso retroalimentar nosso viés de confirmação.
Mas o que quase sempre nos passa despercebido, é o fato de muitos famosos serem comprados para auxiliar na locação das nossas cabeças.
Seria muito difícil — ou até impossível — alugar a cabeça de todo um povo, ou parte dele, sem antes comprar algumas.
Todos — absolutamente todos — têm pleno direito de discordar da opinião contrária, que parece por vezes não mais alicerçar, oportunizar e preceder todo e qualquer debate.
Mas desde que saibam discordar sem desumanizar.
Seria muito difícil — ou até impossível — alugar a cabeça de todo um povo, ou parte dele, sem antes comprar algumas.
Talvez um dos fenômenos globais mais proeminentes — e perigosos — da atualidade seja a reinvenção da velha arte de dividir.
A polarização se atualizou, ganhou verniz tecnológico, novas linguagens e plataformas, só para redescobrir, com atraso, mais do que trágico, o preço da humanidade.
E a lógica do “nós contra eles” nunca foi gratuita.
Para que ela se sustente, é preciso mais do que slogans e inimigos fabricados: exige mentes disponíveis.
Algumas são alugadas por conveniência, outras vendidas por desespero, ambição ou fé cega.
No mercado das manipulações, o contrato é raramente lido, mas quase sempre cobrado.
O aluguel se paga com verdades fabricadas, recortadas e maquiadas até parecerem legítimas.
A compra, essa, exige a medonha moeda corrente: poder, visibilidade, likes, pertencimento, proteção, cargos ou silêncio cúmplice.
E quanto mais cara a consciência, mais sofisticada a narrativa que a embala.
Não é tão difícil sequestrar uma mente humana.
Basta oferecer uma certeza confortável, um culpado conveniente e a ilusão de pertencimento.
Difícil mesmo — quase impossível — é alugar a cabeça da maioria de um povo sem antes comprar algumas.
São essas poucas cabeças vendidas que legitimam o coro, afinam o discurso e tornam a manipulação socialmente aceitável.
Os inquilinos da manipulação certamente não movimentam somente as moedas simbólicas.
Narrativas também têm lastro.
Quando a mentira se sustenta por tempo demais, alguém está financiando sua permanência — seja com dinheiro, seja com influência, seja com o sacrifício deliberado da verdade.
E, no fim, quando tudo parece ruído, polarização e caos espontâneo, resta a constatação mais incômoda: não se trata somente de mentes enganadas.
Trata-se de consciências negociadas.
Porque enquanto alguns alugam suas cabeças por ignorância transitória, outros as vendem com escritura registrada.
E alguém — invariavelmente — está se vendendo.
Há, porém, uma dobra ainda muito mais sutil nesse tecido: muitas verdades fabricadas deixam de ser só mentiras bem contadas para se tornarem verdades funcionais, dependendo de quem as defenda.
Não é o fato que as sustenta, mas o lugar de onde são proclamadas.
Quando a narrativa vem amparada por carisma, poder, fé ou pertencimento, ela dispensa provas.
A autoridade simbólica substitui a realidade, e a repetição apaixonada ocupa o espaço onde antes morava a dúvida.
A mentira, então, não precisa convencer — basta circular.
Mas o mundo apaixonado não percebe isso porque a paixão suspende o pensamento crítico.
Troca-se a pergunta pelo aplauso, a escuta pela defesa, a busca da verdade pela necessidade de vencer.
A verdade deixa de ser algo a ser descoberto para ser algo sob proteção — mesmo quando é frágil, contraditória ou vazia.
Há conforto nessa entrega.
Pensar exige risco.
E pode custar o grupo, a identidade, o rótulo, o abrigo emocional.
A paixão, ao contrário, oferece chão firme, ainda que falso, e a tranquilidade de não precisar rever nada.
Por isso, verdades fabricadas prosperam melhor em tempos de devoção do que em tempos de reflexão.
Elas não exigem coerência, exigem lealdade.
Não mendigam compreensão, mas repetição.
E talvez o mais perturbador não seja que muitos não percebam esse mecanismo — mas que alguns percebam… e ainda assim, escolham permanecer apaixonados, defendendo com fervor aquilo que jamais ousaram examinar.
A polarização é trevosa!
A Polarização rachou o Brasil no meio, levando seu povo ao ápice da Efervescência Social: metade se vale da música, metade se vale do Santo Nome de Deus — e todos protestam.
Essa “coisa medonha” não apenas dividiu opiniões — ela partiu afetos, rachou mesas de família e transformou a praça pública num coro dissonante.
O Brasil ferve, e na ebulição cada metade encontrou seu próprio idioma para gritar: uns cantam ou fingem que cantam, outros oram ou fingem que oram.
Uns erguem cartazes ao som de refrões, outros levantam as mãos clamando o Santo Nome de Deus.
E todos protestam, embora uns nem saibam o porquê… e outros só acham que saibam.
A música vira trincheira, o louvor vira escudo.
O palco e o púlpito disputam o mesmo espaço simbólico: o de dar sentido ao caos.
Mas, enquanto cada lado acredita falar em nome do bem maior, o país sangra nas frestas do diálogo que não acontece.
O grito abafou a escuta; a convicção atropelou a compaixão.
Talvez o problema já não esteja na canção nem na oração, mas na incapacidade de reconhecer que ambas nascem do mesmo desassossego.
Às vezes há dor nos acordes e às vezes há medo e até arrogância nas preces.
Mas também há um pouco de esperança em ambos, ainda que deformada pela raiva de não ser ouvido.
Quando a fé vira slogan e a arte vira arma, perde-se o sagrado de ambas.
Deus não cabe na guerra palavrosa do palanque, e a música não foi feita para silenciar ninguém.
O Brasil não precisa escolher entre cantar ou ajoelhar — precisa aprender, urgentemente, a caminhar junto.
Porque enquanto metade canta para resistir e a outra ora para vencer, o país segue dividido, protestando contra si mesmo, esquecendo que nenhuma nação se salva quando transforma sua própria alma em campo minado de batalha.
Nós contra eles não dialogam…
Não há diálogo possível entre os cheios de Certezas e os cheios de Dúvidas, ambos se demonizam…
Quando não fazem pior: se desumanizam.
Tropeçamos quase todos nos infortúnios da polarização.
Qualquer político-influencer pode até acreditar que seus “asseclas mais apaixonados” sejam tão idiotas quanto ele.
A arrogância — especialmente a que se traja de bravura — costuma precisar desse autoengano para sobreviver.
O que não lhe cabe, jamais, é estender tão medonho juízo de valor a todo um povo.
O povo não é rebanho permanente, nem plateia cativa de narrativas requentadas.
Ele erra, sim, — mas também aprende, desperta, compara e aprende a cobrar.
Subestimá-lo é confissão de covardia: medo da lucidez alheia, temor do dia em que o encantamento se rompe e a máscara cai.
No fim, quem trata o povo como idiota útil, revela menos sobre o povo e muito mais sobre a própria pequenez.
E, como são pequenos os políticos-influencers, e qualquer da vida pública, que fingem zelar pelo povo, produzindo conteúdos fragmentados.
