Sariel Oliveira
“Eu só queria que ser trans fosse normal”
por Sariel Oliveira
Sabe o que eu queria?
Que ser trans fosse só mais um detalhe,
Como ser alto ou baixo,
Como gostar de chá ou café.
Eu queria que as pessoas parassem de olhar como se fosse novidade.
Porque, vamos falar a verdade:
A cada 10, pelo menos 5 são como eu —
Vivem, sentem, existem.
Já estamos em toda parte:
Médicos, enfermeiras, professores, artistas,
Deputados, vereadores,
E até na casa ao lado.
Nós já conquistamos nosso lugar de fala,
E a verdade é que essa luta não é mais pelo espaço —
É pela paz.
A gente trabalha,
Paga imposto,
Faz o país girar,
Ama, sofre, levanta cedo…
Como todo mundo.
Ser trans não é um ato político.
É só existir.
E existir não devia ser resistência.
Devia ser normal.
Eu não sou menos homem porque sou trans.
Eu sou homem.
Inteiro.
Digno de respeito.
Eu só queria viver num mundo
Onde ser trans não fosse manchete,
Onde ninguém sussurrasse pelas costas,
Onde eu não precisasse explicar quem sou
Pra merecer ser tratado com dignidade.
Eu só queria que ser trans
Fosse simplesmente…
Ser.
“E se minha hora não chegar?”
por Sariel Oliveira
Dizem que ser sozinho é bom,
Mas será que é mesmo?
Às vezes é paz.
Às vezes é só silêncio demais.
Eu gosto da minha solidão,
Mas tem dias em que eu queria mais…
Um amor pra dividir a vida,
Um filho ou uma filha pra chamar de meu.
Tô no auge dos meus 34 anos
E às vezes me pergunto:
Por que a vida não me deu ainda
Aquelas promessas de infância?
Eu queria ser um bom pai,
Como o meu foi.
Ter uma esposa linda —
Linda no jeito, no cuidado, no amor.
E hoje eu olho em volta e penso:
Será que eu sou o problema?
Será que sou estranho demais
Pro amor querer me habitar?
Mas tem tantos homens trans com família,
Com rotina, com afeto, com lar…
Talvez não seja minha hora.
Mas e se a hora passar?
E se a vida correr demais
E eu não viver nada do que sonhei?
Não é carência.
É medo.
Medo de morrer
Sem ter vivido de verdade.
Medo de não sentir o cheiro de um filho dormindo.
De não ouvir alguém dizendo: “Tô com saudade.”
De não dividir o domingo com uma mesa simples
E um amor sincero.
Tem dias que isso me sufoca.
Fica aqui, no peito, escondido.
Como um nó.
Não sei explicar.
Só sei que isso me habita.
E eu só queria, um dia,
Viver tudo aquilo que ainda não vivi.
“Pai, tu foste meu herói”
por Sariel Oliveira
O primeiro que eu perdi
Foi o meu herói.
Meu pai.
Doeu demais.
Me rasgou por dentro.
Tentei seguir…
Mas perder um pai que foi exemplo de homem,
De força, de princípios…
É como perder um norte.
Tu dizias:
“Faz o que eu falo, mas não faz o que eu faço.”
Mas, pai…
Tu te enganaste nessa.
Porque eu nunca te vi errar feio.
Nunca te vi decepcionar.
Nem como homem.
Nem como pai.
Nem como marido.
Tu foste o espelho mais limpo que eu já tive.
E eu sempre tive orgulho de ser teu filho.
Tu partiste praticamente nos meus braços.
E ali, no fim, tu ainda pensaste em nós:
“Eu te amo… cuida da tua mãe.”
E eu cuidei.
Cuidei até ela partir também.
E agora, sigo com esse vazio.
Mas cheio de gratidão.
Porque mesmo ausentes,
Vocês vivem em mim.
No que sou, no que escolho,
No que me tornei
Carta para a mulher mais importante da minha vida”
por Sariel Oliveira
Mãe,
Desde que você partiu, tudo perdeu o sentido.
Eu me vi perdido, sem direção, sem chão.
Cumpri a promessa que fiz pro pai — cuidei de você até onde Deus permitiu…
Mas depois que você se foi, eu só me perguntei:
Por quê?
Por que Deus tirou justo a mulher mais preciosa da minha vida?
Perder o pai foi um buraco.
Mas perder a mãe…
Mãe, perder você foi como apagar a luz da alma.
Foi como se arrancassem meu peito sem anestesia.
A dor foi tão forte, que eu pensei em desistir de tudo.
Eu só queria te abraçar mais uma vez.
Sentir seu cheiro.
Ouvir sua voz me chamando pelo nome com aquele jeitinho só seu.
Dizer olhando nos seus olhos que eu te amo demais,
E que tenho orgulho de ter sido seu filho.
Você foi muito mais do que uma mãe.
Foi abrigo, força, coragem.
Cuidou dos seus filhos com amor,
E dos que nem eram seus como se tivessem nascido de você.
Com erros, sim — porque você era humana —
Mas com um amor tão puro que lavava qualquer falha.
Mesmo com todas as dores que eu carrego,
Hoje eu só quero te agradecer.
Pelo que você foi, pelo que deixou,
E pelo que ainda é dentro de mim.
Te amo pra sempre, mãe.
E um dia, quando Deus permitir, a gente se encontra de novo.
Com todo amor do mundo,
Seu filho, Sariel
Carta para você, que eu amei sem entender
Oi, você!
Eu pensei bastante antes de escrever isso.
Talvez você nunca leia, ou talvez leia e não entenda tudo o que estou tentando dizer. Mas ainda assim, eu precisava colocar pra fora.
Eu me apaixonei por você.
Mesmo com nossas diferenças gritantes, mesmo percebendo atitudes suas que me machucam, mesmo sabendo que sua essência é distante da minha — eu senti. E foi verdadeiro.
Mas o que a gente sente nem sempre é o que a gente merece.
Você tem um jeito que fere, mesmo quando não parece. Usa as pessoas como peças, joga com sentimentos como se fossem coisas descartáveis.
E eu… eu sou feito de verdade. Gosto de profundezas, de conexões reais. Me entrego de um jeito que talvez você nem saiba receber.
Eu tentei entender por que esse sentimento nasceu. Talvez foi a curiosidade, a vontade de ver algo bonito em você. Talvez foi carência, ou a esperança de que, convivendo, você mudaria.
Mas a verdade é que ninguém muda por outro e nem deve.
Eu não escrevo isso pra te culpar. Escrevo pra me libertar.
Porque por mais que eu tenha sentido algo forte por você, também aprendi que amar não é aceitar o que nos diminui.
E eu me diminuí, tentando caber no seu mundo.
Hoje, com dor, mas com maturidade, eu escolho parar.
Escolho respeitar o que eu sinto, mas não me prender a isso.
Desejo que você se encontre.
Que você aprenda a amar de verdade, quando estiver pronta.
Mas, por agora, eu me despeço desse sentimento que não faz mais sentido, mesmo que ele tenha sido real.
Com sinceridade,
Sariel
Mãe, tu foste minha vida”
por Sariel Oliveira
Quando tu partiste, mãe,
Eu me vi sem rumo.
Como se o mundo tivesse parado
E só a dor continuasse a existir.
A promessa que fiz pro pai —
De te cuidar até o fim —
Eu cumpri.
Mas o fim chegou cedo demais.
E eu me perguntei:
“Deus, por que tu fizeste isso comigo?”
Por que levar logo ela?
Logo a mulher que era minha razão,
Minha força,
Minha raiz?
Perder pai é uma dor…
Mas perder mãe,
É perder o colo do mundo.
Tu eras determinada, forte, amorosa.
Cuidaste dos teus
E dos que nem eram teus
Como se todos tivessem nascido do teu próprio corpo.
Tu amavas com uma intensidade que poucos têm.
E mesmo com os erros, com os pecados,
— e quem não os tem? —
Tu foste luz.
Luz de mãe.
Luz de mulher.
Quando tu foste embora,
Eu fiquei vazio.
Pensei em desistir…
Tentei.
Mas não consegui,
Porque uma parte tua vive em mim.
Mesmo que tudo o que eu mais queria
Era só mais um abraço,
Sentir teu cheiro,
E dizer:
“Mãe, eu te amo tanto.
Eu tenho tanto orgulho de ti.”