Miguel carneiro
"A Jaula e o Espelho"
Eu era o problema que me fizeram crer,
Até que um dia me ousei conhecer.
As grades eram minhas, a chave também,
Quem as construiu, as pode desfazer.
A sombra que temia, agora é minha luz,
O caos que vivia, hoje é minha cruz.
Não sigo rebanhos, não busco lugar,
Sou meu próprio norte, meu próprio mar.
Calei mil vozes, carreguei mil dores,
Transformei em força todos os ardores.
Quisram que duvidasse, que baixasse a face,
Mas ergui meu espelho no mesmo espaço.
Não peço licença para ser quem sou,
Nem troco minha essência por nenhum vou.
Deus na minha estrada, eu no meu caminho,
Plantando verdades no mesmo carrinho.
Quem tentar invadir, encontrará fronteiras,
Não há mais feridas, nem velhas trincheiras.
Sou terra renascida, sou fênix de cinzas,
Escrevo minha história com letras mais linhas.
E se ainda me julgam, se ainda não veem,
Seguro meu silêncio — ele tudo saneia.
Pois aprendi na guerra, sangrando calado,
Que o trono mais alto é o que foi conquistado.
Do Centro Divino
Aprendo a olhar
desde o Deus que habita em mim
Cada erro— sagrado espelho
Cada queda— chão que elevo
A autoridade que me deram
não se negocia
não se empresta
não se mancha
É direito ancestral
escrito na alma
antes do tempo ter nome
Os contratempos
são lições vestidas de dor
A solidão— necessária oficina
onde forjei minha própria luz
A bondade que não espera
não cobra
não exige
É rio que flui
por ter sede de dar
Não por sede de receber
Hoje devo tudo ao Silêncio
que fala através de mim
Aos instintos divinos
que guiam meus passos
À gratidão radical
por tudo o que fui
e tudo o que ainda serei
Deus existe em mim
não como visita
mas como morada permanente
E desta casa interior
contemplo o mundo
já não como estrangeiro
mas como centro
de onde toda a vida
emana
e para onde todo o amor
retorna
O Caminho do Mestre Construtor
Há em mim um arquiteto de almas,
Um construtor de pontes, não de muros.
Minha argamassa é feita de verdades,
Meus tijolos, gestos puros.
Confio na voz que vem do silêncio,
Na intuição que não erra o compasso.
Cada passo, mesmo pequeno,
É movimento no vasto espaço.
Quando o medo mostrar sua face,
Trago o amor como ferramenta.
Dissolvo sombras com coragem,
Numa ação sempre presente e lenta.
Minha voz é instrumento de cura,
Minhas mãos, canais de abundância.
Não construo para minha glória,
Mas para servir com reverência.
Projetos que atravessam eras,
Não por vaidade ou por louvor,
Mas por saber que a vida inteira
É semente de um amor maior.
Cada dia é novo alicerce,
Cada noite, um balanço da obra.
Não busco perfeição nas paredes,
Mas a essência que nelas sobra.
E quando a jornada parecer longa,
Lembro que o amor é meu guia.
Sou mestre construtor da esperança—
Minha vida, poesia day by day.
Pois não construo com pedra e ferro,
Mas com sonhos e com cuidado.
O maior templo já construído
É um coração liberado.
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O amor, aos meus olhos, não foi um passo, foi um precipício.
Foi o silêncio que caiu entre dois suspiros,
o instante em que o mundo perdeu o seu mapa
e eu me perdi no asterisco dos seus olhos.
Minha vida, antes um compasso aleatório,
aprendeu a gravitar.
Girou em órbitas tão certas
que chuva era apenas um detalhe no vidro,
e as montanhas,meras dobras no caminho
que eu desdobrava com as mãos
só para voltar ao teu eixo.
As rosas que te dei eram pálidas,
tímidas traduções
de um jardim interior que só florescia
com o sol do teu olhar.
Cada pétala,um segredo não dito;
cada espinho,o medo de tanto sentir.
Perdemos a conta do tempo
no labirinto dos nossos olhares.
Cada olhar,uma promessa de eternidade
escrita em linguagem de sóis e sombras.
E eu desejava beijar-te
até que o amanhã se tornasse um mito,
até que o relógio do universo
esquecesse seu próprio tique-taque.
Foste a história mais longa
escrita no tempo mais curto.
Um épico com final de haiku:
doce,súbito e que deixou um vazio
mais eloquente que qualquer palavra.
E assim acabamos num princípio,
um paradoxo que ainda me sangra.
Largar-te foi arrancar raízes do peito,
foi o mais doloroso que a vida me trouxe.
Mas o coração, esse arqueólogo teimoso,
nunca se despediu de ti.
Ele escava nas ruínas do que fomos
e encontra,intacto,
o eco do teu nome.
