GabrieldeArruda
Nasci com a costura torta —
o ponto que falhou
no tear dos bem-nascidos.
Sou o objeto sem função
na prateleira dos vivos:
nem útil como faca,
nem belo como flor.
Nunca fui feito para o brilho fácil,
para os abraços que não doem,
para os dias que se encaixam certos.
Até que Ela chegou.
Não com luz,
não com promessas,
mas com uma presença que não exigia nada, que não pedia luta nem resistências vãs.
Seus dedos traziam o frio
das últimas maçanetas tocadas.
Veio como o óxido vem —
sem pressa, sem aviso,
apenas a certeza
de que tudo que é ferro
um dia lhe pertence.
Se me quiseres triste, sê-lo-ei sem drama.
Se me quiseres calado, darei o silêncio como prece.
Pois és tu, afinal,
a única que não me cobra explicações,
nem julga o vazio que me habita,
nem exige máscaras para ocultar o cansaço.
Não me seduzes com promessas de alívio,
não me ameaças com a eternidade.
És apenas o alívio concreto,
o abraço que não exige
que eu me reconstrua.
Quando Ela abriu os braços,
eu já estava nu de esperanças,
leve de despedidas.
Deitei-me em seu colo de sombra,
e Ela não me pediu
que fingisse ser feliz.
Deitei-me ao seu lado,
como quem enfim encontra onde repousar a dor.
Ela me acolheu sem palavras,
e eu a beijei.
Lábios de fibra de carbono.
Língua de chumbo fundido.
O sabor:
sal de lágrimas não choradas
e o cobre dos últimos
segundos.
Herança maldita de uma alma colonizada, o brasileiro, filho do latifúndio cultural, trocou o libré do barão, que fingia a classe francesa no salão de visitas, pelo jeans rotoso do cowboy ianque na tela do celular.
Se antes ele engoliu, sem digerir, o luxo de Versalhes, hoje mastiga, sem paladar, o fast-food de Hollywood.
Nesse pandareco tropical, onde a identidade é falsa e vestida como fantasia de outlet, onde o samba de raiz é embalado em plástico-bolha digital pra ser entregue como experiência cultural, e o forró virou trilha sonora de app de delivery, tudo é branding, tudo é pitch, tudo é mindset.
O gerente se chama leader, o chefe virou head, e até o cafezinho foi promovido a coffee break.
Em vez de ideias, fazem brainstorm. É tanta sigla em inglês que o trabalhador já esqueceu como se pede um aumento em português.
E nesse co-working de muros baixos e inglês improvisado, confunde-se exploração com oportunidade, e subordinação com sofisticação.
Perder o outro é perder uma parte de si, e a dor aperta o peito. Perder-se a si mesmo, no entanto, é desfazer a soma de todas as partes — é arrancar o peito com a própria dor.
A vida é um paraíso que os homens não sabem e não se preocupam em sabê-lo, então a corrompem com seus próprios demônios.
Santo Deus, por que me abandonaste? Que atrocidade é essa, essa tortura insuportável que me arrasta para o abismo? Não temo o inferno, não! Já sou um com ele, já o sinto queimando minhas entranhas, corroendo-me até o último suspiro! A desesperança me devora como um monstro faminto, e a solidão, fria e implacável, me arrasta para o fundo, sem piedade, sem fim.