Daniel Müller

Encontrados 5 pensamentos de Daniel Müller

⁠A vida é o único empréstimo que nunca aprendemos a quitar

⁠A vida não é sobre descobrir verdades, mas sobre sobreviver às perguntas que permanecem
abertas.

Só há dois instantes reais: aquele em que nascemos e aquele em que percebemos que vamos
morrer. O resto é intervalo.

"Sou vários espelhos em revezamento
leio de novo e mudo o leitor
o texto me troca de eixo
o eu se refrata no ato de ler.


No jogo de linguagem
existir cobra senha de identidade
pede critérios e reidentificação
não aceita só o brilho do instante.


Penso é ato
existo soa estado
quando o verbo encena substância
escorrega a gramática do ser.


O cogito acende presença
não decreta essência
há pensamento
logo há um alguém em ato.


Heráclito passa
sou rio no próprio leito
cada papel é uma margem
cada respiração um começo.


Enquanto vivo sou processo
sou rastro que se redesenha
a definição chega tarde
quando a narrativa congela.


Não me encontro
me construo em variáveis
o encontro pertence ao que é
eu opero no que devém.


Assim falo ao cartógrafo cartesiano:
tua bússola marca o ato
não o continente
confundes faísca com metal.


Conclusão cantada em pedra líquida:
penso logo apareço
sou em ato
cogito ergo fluo.


Tradução precisa
do evento pensar
não se segue substância
segue presença
identidade é narrativa em curso."
– Daniel A. K. Müller

Abro o livro como quem abre uma cela
e a gramática entra com chaves de prata.
"Existo", diz o guarda. Eu assinto e, sem notar,
já aceitei que existir é estado.


Pergunta primeira, feita em voz de ponte:
quem fala quando digo "eu"?
Ato que cintila ou coisa que permanece?
Nomear é pôr moldura onde só há clarão.


Repito: penso.
E o verbo, inquieto, não se deita em camas de mármore.
Ele passa. Ele acontece.
O sujeito que o monta é aparição, não peça de museu.


No jogo de linguagem, a regra é simples e feroz:
"existir" cobra documentos de continuidade,
pedem-se sinais de reidentificação,
pedem-se cicatrizes que atravessem anos.


Mas o pensar não traz carteira;
traz pulso.
A cada batida ele inaugura um quem,
um rosto-em-ato que se desarma com o próprio eco.


Olha a armadilha:
quando digo "existo" após "penso",
troco o brilho pelo bloco,
confundo faísca com minério.


Se existir é ser algo, dize que algo és sem congelar o rio.
Dize quem retorna intacto do atravessamento.
A palavra "eu" acena, mas não garante o passageiro;
é índice, não monumento.


Releio e o leitor que sou me contradiz com elegância:
cada leitura me inventa um autor anterior.
Logo, o eu que decide entender é posterior ao entendimento,
e o entendimento, anterior ao eu que o celebra.


A gramática faz truques.
Transforma atos em estados, eventos em essências.
É ventríloqua do ser:
põe voz de mármore no que é água.


Heráclito entra, enxuto:
o nome é margem, o ser é curso.
Quem bebe duas vezes no mesmo "eu"?
Quem devolve a gota ao desenho antigo?


Então aperfeiçoo o silogismo como quem desarma um dispositivo:
se penso, há presença sem propriedade,
há comparecimento do sujeito-em-ato,
há luz que não promete estátua.


Daqui não se segue substância,
segue cena.
Não se prova o dono, prova-se o surgimento.
O cogito é bilhete de entrada, não escritura do terreno.


E se me pedem definibilidade, aponto o necrotério das narrativas:
o corpo já cessou, logo o relato pode fixá-lo.
No arquivo, sim, há estados;
na vida, há verbos.


Portanto, conduzo-te pelo corredor das palavras
até a célula onde "existo" queria trancar o ato.
Abro a porta pelo lado do uso e deixo o ar entrar:
o que havia ali era só o brilho do acontecimento.


Conclusão, escrita na água com letra firme:
penso, logo apareço.
Sou em ato, não como estado.
Cogito, ergo fluo.


– Daniel A. K. Müller