Carlos Alberto Rodrigues Alves

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SOBRE ERIBERTO E SEU CÃOZINHO

Nesta semana santa, comovi-me diante de um catador de papel e morador de rua. Ele passa todos os dias em frente ao meu trabalho. Detalhe: sempre acompanhado de seu fiel e magérrimo cãozinho.

Eriberto, disse-me que não aceitou a oferta generosa de uma ONG que queria lhe dar um abrigo com dignidade. Razão de não ter aceito a generosidade: “ Eles me disseram que eu não poderia levar o Piloto para morar comigo”.

Vendo esta cumplicidade existencial entre o pequeno animal e seu dono entendi um pouco mais o poema do Drumond:
Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas ainda tens um cão...

Interpretei a cena que vi como sendo mais uma lição de que nosso olhar não deve focar as nossas vias-sacras e sim as ressurreições constantes que a vida nos oferece. Noites que se transformam em manhãs, invernos que se tornam primaveras, lagartas que se metamorfoseiam em borboletas...Ou um cãozinho, com seu olhar de amigo, que nos comprova o valor da lealdade".

(Dedicado a Rita que sabe cuidar bem do seu cãozinho)

SEU FELICIANO, CAMINHANTE DA PAZ

Era uma vez um renascentista chamado Michelângelo que, apesar de suas dores pintou, para sempre, os amores do mundo na Capela Cistina;

Era uma vez um músico chamado Beethoven que, apesar de ficar surdo, gravou seu nome na história como o maior dos clássicos românticos;

Era uma vez um escultor cognominado Aleijadinho que, apesar de suas anomalias crônicas, tornou-se o ícone da arte barroca no Brasil;

Era uma vez uma cantora chamada Violeta Parra que, apesar de sua tragédia, ficou imortalizada como a compositora de " Gracias a la vida...";

Era uma vez um cientista chamado Jean Jacques Costeau que, apesar de ver seu filho morrer afogado, consagrou-se como o maior de todos os oceanógrafos.

Era uma vez um caminhante-da-paz de 92 anos chamado Feliciano, que apesar de ter que amputar os dedos dos pés, entrou na nossa história por coroar o texto sagrado que diz : “ Quão formosos são os pés daqueles que anunciam as coisas boas” .

Prezado irmão Feliciano:

De todos os notáveis aqui mencionados, conheci-os apenas por lê-los. Quanto a você amigo, conheci-o por vê-lo de perto e tomar com você um leite-com-farinha. Também com você, ousei crer que não há um caminho para a paz...afinal, a Paz é o caminho.
Que o espírito da Páscoa esteja sempre com você...!!!

SOBRE O CHORINHO , MEU AVÔ E EU

O meu avô era um chorão.
Para quem não sabe, chorão é tocador de chorinho, esse gênero musical genuinamente brasileiro.
Herdei geneticamente de meu avô, a quem não conheci pessoalmente, um carinho especial pelo “Brasileirinho”, pelo “Assanhado”, pelas “Noites cariocas”, pelo “Carinhoso” e por tantas outras peças geniais. Aliás, até me arrisco de vez em quando e humildemente, a tocar essas músicas.
Já disserem que o nosso chorinho equivale, em riqueza musical , ao Jazz de Nova Orleans. Discordo!
É bem superior! Tanto na melodia, quanto no ritmo e na harmonia! Isso, sem contar as letras que sempre tem o toque do romantismo, da sátira e da alegria que só o brasileiro tem. Coisas que só um chorão pode entender... !
Voltando a meu avô, sei pelo meu pai, que ele foi para o interior paulista afim de fugir da polícia getulista. Lá ele ajudou espalhar , com seu regional e com seu virtuosismo, as variações-da-beleza e os improvisos-entusiasmadores de seu cavaquinho.
Passados mais de sessenta anos esse seu neto-da-resistência-cultural, também vive fugindo de outra polícia, a do comando-de-caça-aos-hereges. Mas aí eu não fico triste não!... Ao contrário, evoco o choro mais alegre de Waldir Azevedo:

O brasileiro quando é do choro
É entusiasmado quando cai no samba,
Não fica abafado e é um desacato
Quando chega no salão.

Não há quem possa resistir
Quando o chorinho brasileiro faz sentir,
Ainda mais de cavaquinho,
Com um pandeiro e um violão
Na marcação.

Para Giovani e Kauan, meus filhos...amáveis chorões.

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MEU PROGRAMA NESTE DIA DO INDIO

Neste domingo, dia do índio , eu que sou tataraneto de um deles, quero fazer uma homenagem a mim mesmo e a minha família.
Vamos esquecer os trabalhos , descer a serra do mar e subir a um paraíso musical onde cantam pintassilgos , pintaroxos, melros, engole-ventos, saíras, inhambus, patativas, tordos, tujus, tuins , tiés-sangue, tiés-fogo , rouxinóis, coleiras , trigueiros , colibris , macucos e outros pássaros da orquestra sinfônica de Passaredo, bela música de Chico Buarque e Francis Hime.

Deste autêntico-programa-de-índio , além da pajelança neo-ortodoxa, do cachimbo da paz e da rodada de chá-de-cana, consta que faremos uma meditação sobre um texto sagrado escrito pelo chefe índio Seatle e endereçado ao presidente dos EUA.
Ei-lo ecologicamente correto, belo e romântico, como almeja nossa alma indígena:

Não há um lugar calmo nas cidades do homem branco. Nenhum lugar para escutar o desabrochar das flores na primavera ou o bater das asas de um inseto.
E o que resta da vida se um homem não pode escutar o choro solitário de um pássaro ou o coaxar dos sapos à volta de uma lagoa à noite?
O índio prefere o suave murmúrio do vento, encrespando a face do lago e o próprio aroma do vento levado pela chuva ou perfumado pelos pinheiros.

Quando retornar para a cidade, quero de novo, estar sintonizado com as batidas do meu coração. E com minha pressão arterial no compasso da mãe natureza: calma, serena e tranquila! O grande Senhor do sol, da lua, das montanhas, dos ventos , das águas, dos passarinhos e de todos os peles-vermelhas me ajudará na bela empreitada.

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AOS MEUS ALUNOS DE TEOLOGIA

Faz tempo que não vou à Igreja.
Incomodam-me os sermões vociferantes e as orações desencantadoras de nossos dias.
Há gritaria de mais e estética de menos.
Os pregadores parecem competir com os vendedores da praça.
E mais...Tenho a impressão que fizeram a opção pela teologia do horror!
Quem puder me indicar onde se vivencia uma teologia poética, por favor, avise-me.
Não existe nada mais sagrado que a experiência com a beleza.
Sobre isso é bom ler Helena Kolody:
"Rezam meus olhos quando contemplo a beleza.
A beleza é a sombra de Deus no mundo".
Por outro lado, quem quiser me levar ao SANTO OFÍCIO que assim o faça, mas lembre-se antes, que isso é anti estético, além do mais, tenho imunidade contra os fundamentalistas.

AOS MEUS ALUNOS DE DIDÁTICA

Meus alunos me pediram para fazer um decálogo para serem bons professores. Disse-lhes que não há receitas prontas afinal como dizia Guimarães Rosa, “ Mestre não é aquele que ensina mas aquele que de repente aprende”. Porém senti-me desafiado em apresentar-lhes o que poderia ser chamado de dez mandamentos de um bom educador. Estão aí:
1- Lembrar que a vida deve ser vista como uma constante arte de aprender e ensinar;
2- Não dar respostas prontas aos alunos porém aprimorar a habilidade de propiciar-lhes capacidade de pensar critica e criativamente;
3- Desafiar os alunos a não ficar na memória acumulada e sim a descobrir novos saberes;
4- Saber que a didática não deve ter um caráter instrucional mas sim um caráter de descobertas;
5- Compreender que conhecimentos científicos são indispensáveis, mas sozinhos, são impotentes para transformar massas disformes em pessoas cidadãs;
6- Incorporar o fato de que essas informações só serão relevantes se forem impregnadas de estética e beleza;
7- Aprimorar a habilidade de propiciar ao aluno capacidade de pensar critica e criativamente a realidade, sem apresentar-lhes respostas prontras para perguntas não-feitas;
8- Trabalhar para que o aluno busque constantemente o princípio maior da autonomia;
9- Incorporar a idéia de que o processo da aprendizagem contempla duas dimensões: a dimensão do prazer e a dimensão da dor;
10- Querer a emancipação completa do aluno: seu conhecimento racional e também o poder de sua auto-estima.

GIOVANI: VINTE ANOS EM DEZ CENAS

1-Seu nascimento: 15/04/09 – Paguei polenta e vinho para todos os que estavam no restaurante. Era preciso celebrar a data histórica;
2- Comício político - aos seis meses, você já tinha ouvido ao vivo Lula e Brizola;
3- Dezembro de 1989 - Desde cedo, você já sabia que teu pai e mãe seguiriam caminhos diferentes;
4- Escola e Igreja - Vou com você à escola, antes porém, vamos à quadra da Igreja, jogar futebol;
5- Marcão - Diz Dr. Marcos para mim, lá no México: "Nossos filhos crescerão juntos”. Acertou em cheio!
6- Itatinga, vô Zito e Família - Som da viola , futebol atleticano e muito truco! Levamos alegria à cidade!
7- Com Luciana em Foz do Iguaçu - Enquanto eu trabalho, vocês vão às compras gastar o que eu ganho! Tudo bem!
8- Você vai ao nosso casamento - Lê o salmo vinte e três. Nasce Kauan, depois a Giulia, seus irmãos. Você é o melhor amigo dos dois. E da Lu também!
9- Você está na Universidade Federal - É líder, é humanista, é progressista!
10- Você ama Renata - Como diz Reginaldo: “Estou ficando velho. Estou fora do processo”! Valeu a pena!

Hoje é teu aniversário. Te amo filho! Parabéns! Que felicidade! Deus te abençoe!
Abraços da Lu, do Kauan, da Giulia e do teu velho pai. A Mariza , os pais da Lu e o pessoal de Itatinga também te mandam abraços!

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ANGELIM, UM VIOLEIRO APAIXONADO

Angelim, meu compadre e menestrel dos violeiros, está apaixonado.
Coisa boa!
Estar apaixonado é estar acometido de uma doença para a qual não se quer cura.
Ele vai se casar. E casamento de violeiro não é como outro qualquer. Não há promessas, há confissões de amor e desejos... Quem gosta de promessas é político! Violeiro gosta é de cantar a vida que brota dos sonhos e saudades... Por isso ele é sincero!
Sua princesa já terá lido a oração das mulheres celtas:

Ama teu homem e segue-o,
Mas somente se ambos representarem um para o outro
O que a Deusa mãe ensinou: amor, companheirismo e amizade.

Ele, por sua vez já terá cantado para sua amada a oração de Renato Teixeira e Almir Sater:

Quando o amor começa, nossa alegria chama,
e um violeiro toca em nossa cama ...
(...)Tudo é sertão, tudo é paixão, se o violeiro toca
A viola, o violeiro e o amor se tocam...

Por ambos saberem que “ são demais os perigos desta vida pra quem tem paixão” farão tudo para que possam viver um grande amor.

Portanto amigos, a mim me resta apenas abençoá-los assim:

Que vocês se abracem sempre, sem se sufocarem
Que vocês se ajudem sempre, sem se anularem
Que vocês se aproximem sempre, sem invadir o espaço do outro
Que vocês se amem não apenas "POR CAUSA" , mas "APESAR DE..."

Isso mesmo compadres! A mim me resta apenas pedir ao bom Deus que vocês sejam mais que marido e mulher! Que vocês sejam amigos, amantes, filhos-de-Deus, filhos-da-liberdade, filhos-da-vida, filhos-da-felicidade...

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Para quem não acredita no jardim do Éden, eu garanto: ele existe! Fica no Santuário de Nhundiaquara, bem no sopé do pico Marumbi, Serra do mar. Foi ali que, sábado passado, celebrei o casamento de meus amigos médicos Arthur e Luciana. O sermão foi baseado no poema de Mario Quintana:

“O segredo é não correr atrás das borboletas...
É cuidar do jardim para que elas venham até você.
No final das contas, você vai achar,
não quem você estava procurando,
mas quem estava procurando por você!"
UM CASAMENTO NO ÉDEN

E a minha prece foi para que os noivos fizessem daquele jardim uma parábola de um jardim ainda mais belo... Jardim que deve sempre ser cuidado no coração dos noivos. Afinal, como cantam os poetas-seresteiros," quem ama cuida!!!" Eles concordariam com os místicos medievais que diziam: “Se, no teu centro um Paraíso não puderes encontrar, não existe chance alguma de, algum dia, nele entrar”.

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CASAR PODE DAR CERTO

O bar do alemão é um dos pontos turísticos mais oníricos de Curitiba.
Dia desses eu estava lá com o Quinha e o Sérgio, amigos de copo e de cruz.
O garçom me trouxe um torpedo com palavras-em-alto-astral:

“Reverendo: Tome um chopp em nossa homenagem.
Há 17 anos o senhor realizou nosso casamento”.
Ass: Viviane e Cristian.

Guardei o guardanapo com carinho, atendi ao pedido do casal e fiquei feliz ao lembrar que casar pode dar certo.
Depois, compartilhei com os amigos as palavras que pronunciei na cerimônia. Eram mais ou menos assim:

Que os beijos de vocês, namorados, jamais fiquem secos
Que os abraços de vocês, amantes, jamais fiquem frouxos
Que os pés de vocês, andarilhos da ternura, encontrem-se à noite
Que os olhos de vocês, cúmplices, vejam-se o dia todo
Que as palavras de vocês, poetas, sejam sempre leves
Que os lábios de vocês, filhos da felicidade, sejam sempre doces ao coração
E que vocês, bailarinos da vida, dancem sempre a dança mágica do amor.

Como disse, casar pode dar certo! Portanto, um brinde para quem conquistou tal façanha!

Rev. Carlos Alberto Rodrigues Alves

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O DESERTO PODE SER BELO OU A DEUSA DIANA PEQUENO

Somos seres imersos num caleidoscópio multicolorido e traspassado pelo sol da vida. Ali protagonizamos cenas múltiplas. Algumas , acompanhadas de pavor, outras, carregadas de arrepios alegres.

As cenas tristes queremos que sejam exorcizadas pois elas nos são metáforas de masmorras e cálices-de-fel. As cenas alegres almejamos que sejam eternas pois sua beleza nos comprova que temos uma fagulha de Deus dentro de nós. Estas cenas nos apontam para o fogo-apolínico e o vinho-dionisíaco da vida.

Em tempos de um grande deserto, lá pelos duros anos de chumbo, eu ouvia Diana Pequeno, mulher linda cuja voz me dava a impressão de que um anjo tinha fugido do céu.
Sua missão: lembrar que o deserto podia ser belo.

A geração moderna-sem-estética não a conhece. Ela me era a voz do vento de um novo dia que iria chegar. Ela me era o cheiro do bom perfume do amanhã. Ela me era o prelúdio da sinfonia que ainda vou compor cujo nome é "Pelos Poros da Paixão".
Não sei por onde anda essa deusa mas sua voz continua a sussurrar nos meus ouvidos.

Evocando as cenas de nossos desertos que ainda vão florescer, resgatei-a nessa outra modernidade chamada youtube. Veja e ouça se não tenho razão:

http://www.youtube.com/watch?v=FYHF5TQGjEA

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A VIOLA DO MEU PAI

Está no meu ranchinho, bem guardadinha, uma viola especial. Não tem a nobreza da Maria Deodorina, nem o astral da Tereza. Aliás, estas são bem casadas com seus respectivos sinhozinhos-poetas-amantes .Minha viola nem nome de batismo tem...
Mas ela é especial por ter uma mística que a faz transcender os tempos e os templos sacerdotais...Os cantos-e-os-contos dos contadores-de-causos. Mandei fazê-la, daquela boa madeira que só as luas-minguantes sabem, e muito bem, fecundar-com-seu-feitiço...Coisas-e-segredos-de-alquimia!!!
Eu queria, muito, presentear meu velho pai, violeiro dos bons...Daqueles de ouvido absoluto. Porém...ah!, porém... quando o Marco da Viola, nosso luthier, me entregou a “menina-com-todas-as-suas-dignidades” afim de chorar nos braços do meu velho, foi eu quem chorou primeiro. É que meu pai havia partido para a-terra-do-sem-fim bem antes do combinado.
Por isso, minha viola é especial: suas cordas são fios de nostalgia-da-mais-pura-cepa...Ali eu posso ouvir o som que faz falta a esta minha alma rebelde e fugidia. No seu tampo sinto um colo onde aconchego meu corpo oprimido.
Como teria sido o casamento dela com o meu-mais-virtuoso-violeiro? Somente os bons violeiros saberiam dizer... E isso, só depois de acarinhar os braços dessa-saudosa-sem-nome.
Não deixo qualquer um encostar a mão nela. Ela foi santificada para ser possuída por sons angelicais. Foi oferecida em um altar-especial para quem, agora, mora perto do “Zé-Côco-do-Riachão”.Sempre pensei que uma das missões do violeiro é ser possuído por querubins celestiais para fazer com que a dor dos mortais possa se tornar uma bela coreografia.
Assim também pensava meu pai, cujo último momento, foi belo como um por-do-sol e como um “trenzinho-do-caipira” adentrando as matas...
Que as notas que gotejarem dela sejam, portanto, assim também...
Angelim-da-Maria-Deodorina e Cláudio-da-Tereza: Vocês serão bem-vindos para abençoar essa menina chorosa.

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SOBRE O RIO PARANAPANEMA

Nasci não-muito-longe das barrancas do Paranapanema. Rio que passa na minha aldeia, que não é o Tejo e nem o Nilo, mas que também é cheio de contos, causos e cantos.
Místico que sou, sempre acreditei que os rios têm alma. Choram, guardam segredos, sangram e sorriem. Também pensava assim Tales de Mileto, segundo o qual a água é o elemento primeiro do universo.
Meu rio, que hoje recebe o status de “rio mais limpo do Estado de São Paulo”, vira e mexe é alvo de interesses escusos. Sempre travestido de um pseudo-progresso-autossustentável:

"Meia dúzia de carrascos movidos pela ambição
Tentaram matar o rio com indústrias na região
O povo da redondeza fez das tripas coração
A empresa criminosa bateu com a cara no chão"

Sempre que ouço novas investidas contra o “Panema” tenho vontade de armar uma esquadra de barcos-cheios-de-carrancas para espantar esses maus-espíritos-que-andam na região.
Mas aí há amigos que me garantem que a poesia e o canto dos violeiros são a melhor cruzada para mobilizar o povo e proteger o rio. De fato, a voz e a viola de Tião Carrero e Pardinho sempre se ouve em suas águas abençoadas:

"O rio Paranapanema é obra do Criador
É espelho das estrelas o mundo do pescador
No livro da natureza vai entrar mais um poema
Vamos cantar a beleza do rio Paranapanema
O rio Paranapanema deságua no Paraná
Mas toda a sua beleza deságua no meu cantar "

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SOBRE UM ONZE DE SETEMBRO

Era um onze de setembro
Nem mesmo Dante teria pintado inferno tão horrendo
Primeiro, os aviões do apocalipse
Depois , as explosões da morte
O fogaréu-do-juízo-final que se seguiu
Cessou a voz do cantor
Em seu lugar se ouviu o som e o lamento da profecia:

“Era Raquel chorando por seus filhos;
não querendo ser consolada,
pois eles já não existem mais."

Mataram os poetas e os profeta
Mataram o Salvador
Milhares seriam mortos depois...
Os anjos-da-morte haviam triunfado
Os "yankees" haviam hasteado suas bandeiras
Assim se desabou a arquitetura da liberdade...

Era o dia onze de setembro de 1973,
o Chile-país-irmão, chorava e enterrava seus filhos...

(PARA QUE NÃO NOS ESQUEÇAMOS DE NENHUM DOS HOLOCAUSTOS)

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JESUS E A VIOLA


Jesus quando andava pela Galileia
sempre carregando São Pedro na boleia
passava certa feita, por uma das pairagens da Palestina
e em uma bela capela, foi convidado
pra ver ali rezando, um povo ensimesmado

Pararam os dois na porta! Só um pouquinho...
Depois seguiram em frente, os dois pelo caminho.
Lá adiante-e-pelas-tantas, espiaram um casebre alegre
onde se ouvia uma viola roceira-bem-brejeira.
Estava nas mãos de um violeiro que tirava versos em fé
em forma de toada, de pagode, e chamamé:

Se um dia eu chegar no céu
Viola entra primeiro
Viola cheia de fitas,
ta dengosa, ta bonita

A festa estava uma alegria que até o mestre seduzia
visto que Ele , pegando a viola, entrou também na cantoria
deslizou nas cordas seus dedos com maestria
e ao som de divinas canções
harpejou a viola em vinte-e-uma-afinações
indo embora só quando já raiava o dia
e quando então abençoava os foliões

Diz a lenda que São Pedro com ar indignado
perguntou ao Bom Mestre: Por que Senhor?
Lá atrás os fiéis estavam a rezar e não quiseste aquele santo-chão pisar?
E mais adiante , numa festa-de-farra-não-modesta,
não só quiseste entrar, mas também dela fizeste “questã” de participar!!!?

O Senhor, em tom sereno, então lhe respondeu:
É verdade compadre!
Lá atrás estavam rezando...
Porém vi muita gente a maldade ruminando.
Aqui não! Todos estão felizes e cantando!
E os males-do-coisa-ruim estão exorcizando!
Aprenda essa verdade se é que tu me prezas:
Uma boa fé cantada, vale mais que cinco rezas!...

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SOBRE A ARTE DE ENVELHECER

Estava estampada no jornal do bairro:
"Velho de 51 anos morre atropelado no dia mundial sem carro".
Quase morri também! 51 anos...velho!!! Eu tenho 52!
Em compensação, no mesmo dia, recebi de um amigo, um artigo em que a jornalista Regina Brett, de Cleaveland, celebrava sua chegada aos 90 anos no apogeu de seu trabalho criativo e cheia de energia. Alguns dos seus segredos:

Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem ideia do que se trata a jornada deles.
Tudo pode mudar num piscar de olhos; mas não se preocupe, Deus nunca pisca.
Respire bem fundo. Isso acalma a mente.
Ninguém é responsável pela sua felicidade, além de você.
Perdoe tudo de todos.
O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
Deus te ama por causa de quem Ele é, não pelo que você fez ou deixou de fazer.
Seus filhos só têm uma infância.
Tudo o que realmente importa, no final, é que você amou.
A vida não vem embrulhada em um laço, mas ainda é um presente

Quando disse para um amigo Mário que também pretendo chegar “lá-pela-casa-dos-noventa-cem", ele reagiu dizendo: " Não vamos limitar a graça de Deus"!

SOBRE DEUS E O DIABO NUM REPIQUE DA VIOLA


Foi Guimarães Rosa quem melhor descreveu... Foi Glauber Rocha quem melhor encenou... Mas foi a dupla Edu Lobo e Capinam quem melhor cantou a trama acima.
Tudo está codificado em poucas palavras na canção “Viola fora de moda”, um mantra bem aos moldes-mágicos da literatura surrealista. Nela, o “Tinhoso”, debochado, apresenta-se para tentar fazer um pacto com um violeiro infeliz. Esse violeiro é uma metáfora de nós mesmos na dança da vida.
Veja a releitura que, tirando as alparcas dos pés, arrisco a fazer:

“Moda de viola”

Moda de viola é o espaço artístico/religioso onde sempre há pelejas místicas entre Deus e o “Cão”. Disso sabem muito bem os violeiros que , no sertão do Urucuia, entre um benzimento e outro, vivem proclamando nas noites de lua cheia: “Bom violeiro ou vem de Deus ou vem do “Demo”.

“De um cego infeliz podre na raiz, ah, ah”

A canção é um lamento “de profundis” que brota de uma alma que se sente relegada ao Hades-da-condição-humana. O violeiro é cego, infeliz e podre na raiz. Mas, apesar do inferno da inutilidade, ele ainda canta, nem que para isso precise ouvir um eco de sarcasmo-sepulcral: “ah, ah”! Violeiro não vive só de amor e comédia. Ele tira versos da tragédia que o amarga nos dramas históricos. Faz coro com Nietzsche: ”Amo aqueles que não sabem viver a não ser como os que sucumbem..."

“Vivo sem futuro, num lugar escuro, e o diabo diz, ah, ah”

Nos porões da existência, esse assum-preto-sub-homem, escancara a sua falta de perspectiva. Mais..., tem que ver cara-a-cara o responsável direto pela situação: o “Bode-preto”, que, não bastasse ser o causador da infelicidade, deixa a dor ainda mais cruel por continuar a soltar sua ironia-de-penumbra-dantesca ao final da frase melódica: “ah, ah”!...
No livro sagrado de Jó, o “Cujo” aparece como um ministro do primeiro escalão de Deus, responsável pelo “controle de qualidade do criador”. Parece que aqui o caso é semelhante.

“Disso eu me encarrego, moda de viola não dá luz a cego, ah, ah!”

No auge da moda aparece o nó da trama bem à moda roseana: a possibilidade de um pacto com o “Gramulhão”. A frase “disso eu me encarrego” é um eco das palavras apresentadas a Jesus: “Tudo isso te darei se prostrado me adorares”. Aqui o “Coisa-ruim” subestima o instrumento sagrado do moribundo dizendo que ela não dá luz a cego. Era como se dissesse, “jogue fora tua viola e vem comigo” . E ainda continua impingindo-lhe a gargalhada-da-desgraça: “ah, ah”...!
Seguem acordes sem palavras...
Conclusões inconclusas:

Amigo violeiro: Não acredite no “Tristonho”. Ele é o pai da mentira! São Gonçalo o espantou. Para isso não usou a cortante espada de São Jorge, mas o poder exorcizante de seus acordes-rio-acima-e-celestiais. Uma viola bem tocada vale por duas rezas!
Agüenta aí cantador! Está escrito nas veredas do Grande Sertão: “Deus é paciência; o contrário é o diabo”. Lembre de outro musicante que, fazendo caminho , cantarolava: “Faz escuro, mas eu canto porque amanhã vai ser bom”.
Saiba que nos ponteios da vida, o "Todo Poderoso" não tem concorrente. Portanto faça o “Oculto” picar a mula repicando a viola, mesmo que ela seja como a minha, assim, fora de moda!

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O RIO PARANAPANEMA

Nasci não-muito-longe das barrancas do Paranapanema.
Esse rio que passa na minha aldeia, não é o Tejo e nem o Nilo, mas também é cheio de contos, causos e cantos.
Místico que sou, sempre acreditei que os rios têm alma. Choram, guardam segredos, sangram e sorriam. Também pensava assim Tales de Mileto, filósofo grego, segundo o qual a água é o elemento primeiro do universo.
Meu rio, que hoje recebe o status de “rio mais limpo do Estado de São Paulo”, vira e mexe é alvo de interesses escusos. Estes, aliás, sempre travestidos de um pseudo-progresso-autossustentável como canta a canção de uma viola engajada:

" Meia dúzia de carrascos movidos pela ambição
Tentaram matar o rio com indústrias na região
O povo da redondeza fez das tripas coração
A empresa criminosa bateu com a cara no chão"

Sempre que sei de novas investidas contra o “Panema” tenho vontade de armar uma esquadra de barcos-cheios-de-carrancas, iguais aquelas do Rio São Francisco, para espantar esses maus-espíritos-que--se-entocaiam na região.
Mas aí, há amigos que me convencem que a poesia e o canto dos violeiros locais, são a melhor cruzada para mobilizar o povo e proteger o rio. De fato, a voz e a viola de Tião Carrero e Pardinho sempre se ouve em suas águas abençoadas:


"O rio Paranapanema é obra do Criador
É espelho das estrelas o mundo do pescador
No livro da natureza vai entrar mais um poema
Vamos cantar a beleza do rio Paranapanema
O rio Paranapanema deságua no Paraná
Mas toda a sua beleza deságua no meu cantar"

( Para meu pai que me levava pescar no Panema)

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A ARTE DE ENVELHECER

Manchete que estava estampada no jornal do bairro:
"Velho de 51 anos morre atropelado no dia mundial sem carro".
Quase morri também! 51 anos...velho??? Eu tenho 52 !
Em compensação, no mesmo dia, recebi de um amigo, um artigo em que a jornalista Regina Brett, de Cleaveland, celebrava sua chegada aos 90 anos no apogeu de seu trabalho criativo e cheia de energia. Alguns dos seus segredos:

* Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem ideia do que se trata a jornada deles.
* Tudo pode mudar num piscar de olhos; mas não se preocupe, Deus nunca pisca.
* Respire bem fundo. Isso acalma a mente.
* Ninguém é responsável pela sua felicidade, além de você.
* Perdoe tudo de todos.
* O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
* Deus te ama por causa de quem Ele é, não pelo que você fez ou deixou de fazer.
* Seus filhos só têm uma infância.
* Tudo o que realmente importa, no final, é que você amou.
* A vida não vem embrulhada em um laço, mas ainda é um presente

Quando disse para o meu amigo Mário que também pretendo chegar “lá-pela-casa-dos-noventa-cem", ele reagiu dizendo: " Não vamos limitar a graça de Deus"!

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MERCEDES: GRACIAS A LA VIDA!

Morreu Mercedes Sosa, a voz das veias abertas da América morena.
Cantora que fez os corpos de tantos amedrontados se mobilizarem para resistência.
Nos pesados anos de chumbo, os que optaram pela força do fuzil entenderam, e com razão, que suas músicas lhes eram mais perigosas que a luta armada. Por isso, trataram de prendê-la , e deportá-la.
Erraram ao perceber que ela se tornaria ícone de “una Hermana mas hermosa que se chama liberdade”
Erraram também ao não imaginarem que quanto mais as botas pesadas lhe espezinhasse, tanto mais forte ela deixava sair de sua voz e de seu bumbo-engajado, os versos e a alma do poeta :
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três flores, mas não podem impedir a chega da primavera”.
Assisti “ la Negra” no teatro Guaíra, quando ela voltava de seu exílio em Paris e Madri. Período de redemocratização do Brasil. Período que estavam voltando as flores. O teatro veio abaixo quando ela cantou

Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
En el valle en la montaña
En la pampa y en el mar
Cada cual con sus trabajos
Con sus sueños cada cual
Con la esperanza delante
Con los recuerdos detrás
Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar

Morreu Mercedes Sosa nessa primavera. Sua voz está mais florida que nunca!
Algumas de suas utopias se concretizaram. Outras ainda nascerão de suas canções pois estas não podem morrer jamais.
Eu que um dia a vi esta guerreira ao vivo, continuo ouvindo-a quando empunho meu violão para cantar a canção que traduz o nome de Mercedes: “Gracias a la vida que me há dado tanto...”!

Inserida por CARLOSALVES17