Abraham Schneersohn
Carreguei tempestades no peito sem alagar ninguém, atravessei madrugadas de insônia sem cobrar alívio alheio, dei sem pedir troco e caminhei entre espinhos sem lamentar as feridas. Agora, se me virem colhendo minha própria paz, não me julguem, pois aprendi que doar sem medida a quem não valoriza é cavar a própria ausência.
Carreguei o peso do mundo sem deixar cair sobre ninguém, engoli lágrimas para que outros pudessem sorrir, lutei batalhas que ninguém viu e, mesmo esgotado, ainda estendi a mão. Nunca fiz alarde da minha dor, nunca pedi troféus pela minha resiliência, e ainda assim esperam que eu continue oferecendo o que já me custou demais. Minha generosidade nunca foi fraqueza, mas agora é escolha. E se hoje me permito viver sem culpa, sem carregar quem nunca quis andar ao meu lado, não me apontem o dedo. Eu aprendi, da forma mais cruel, que quem dá demais a quem não valoriza acaba se tornando invisível até para si mesmo. E isso eu nunca mais serei.
Percorri os labirintos da medicina à política, da economia ao direito, navegando entre números e palavras, entre bisturis e leis, engoli livros como quem devora o próprio destino, reconstruí-me em silêncios que ninguém ouviu e venci batalhas que nem sabiam que lutei, calei dores que gritavam dentro de mim, e ainda assim tentam me convencer de que só vale a pena dedicar-se a uma única coisa? Como se fôssemos feitos para caber em moldes, como se a vida nos permitisse uma única pele. Mas eu já fui muitos para poder continuar sendo eu. Fui queda e recomeço, medo e coragem, perdi-me para me encontrar. E se às vezes me perguntam o que sou, sorrio, porque sei que a resposta nunca caberia em uma só palavra.
Descobri que ser forte não é nunca cair, mas encontrar sentido até nas quedas. Já fui sombra e já fui luz, já temi o próprio caminho e, ainda assim, caminhei. Porque a vida não exige certezas, apenas a coragem de seguir, mesmo quando a próxima página ainda não foi escrita. E talvez seja esse o segredo que ninguém conta: não há estrada certa, apenas passos que fazem o caminho existir.
Aqui, cada emoção é sacerdócio,
cada lágrima, um rito oculto,
cada impulso, uma esfinge que guarda
o nome secreto do despertar.
Somos, então, harpas da gravidade invisível,
vibrando entre o abismo e a aurora,
entre o punho da raiva e a palma do afeto,
entre a sombra que fere e o verbo que liberta.
A tristeza — carvão para o ouro.
A alegria — sol que canta sob a pele.
O medo — vigia e labirinto.
A culpa — espelho que sangra
quando se nega a olhar.
Não somos senhores do sentir,
mas portais por onde o sentir se revela.
E o caos, tão temido,
não é ruína — é catedral em construção.
No ventre da dor germina a lucidez.
No silêncio do trauma, a chave.
No desequilíbrio, o mapa.
Na dúvida, o mestre disfarçado.
Que tua alma, ao ler-te,
não tema as marés que a erguem ou afogam —
pois toda emoção, quando escutada com reverência,
é alquimia.
E todo caos, quando acolhido com presença,
é caminho.
No princípio, o som não era som.
Era uma intenção tímida,
um arrepio do nada
suspeitando que poderia ser algo.
Então veio o ritmo —
não por desejo de música,
mas por saudade de ordem.
O caos teve inveja da simetria.
E dançou.
Deus ainda não era Deus.
Era apenas um ponto de interrogação
com vertigem de consciência.
Questionou-se. E isso foi luz.
Foi quando o tempo,
esse estagiário do eterno,
decidiu andar.
Um passo por dúvida,
dois por desejo,
e tropeçou — na matéria.
A primeira pedra?
Era um pensamento que esqueceu de ser leve.
A primeira árvore?
Uma ideia enraizada por engano.
O primeiro corpo?
Um gesto que ficou preso num espelho.
A carne não veio com manual,
mas veio com sono.
E o sono inventou o sonho,
só pra que o impossível tivesse um lugar onde ensaiar.
A mente surgiu tarde,
mas fez questão de parecer a autora.
Ela colecionou razões,
explicou a morte antes de entender a manhã,
escreveu manuais para sentimentos
que só se abriam com lágrimas.
Enquanto isso, o coração,
esse motor sem engrenagens,
continuava batendo como se soubesse de algo
que ninguém mais lembrava.
Veio o amor —
não por nobreza,
mas por falha no código da solidão.
Uma rachadura bem-vinda.
A gente se olhou,
e isso nos doeu.
Por isso continuamos.
Vieram as cidades.
Empilhamos medos e chamamos de prédios.
Cercamos a dúvida com concreto
e demos ao absurdo o nome de “rotina”.
Mas dentro, bem dentro,
sempre havia um pássaro —
não uma alma,
mas um instinto de verticalidade.
Você já sentiu isso?
A sensação de que esqueceram de te explicar o essencial,
mas mesmo assim você continua,
como quem sabe de um segredo
sem saber qual é?
Então, veio a poesia.
Não a que rima.
Mas a que lembra.
Veio para dizer que o invisível é real,
mas tímido.
Que o silêncio é uma linguagem antiga,
e que toda saudade é, na verdade, memória de algo
que ainda não aconteceu.
E é por isso que escrevo:
porque talvez alguém — você —
esteja à beira de se lembrar.
…o que chamamos de “eu”
é só uma assinatura mal lida,
rabiscada por um autor que escreve com luz
mas esqueceu as vogais.
Toda identidade, no fundo, é empréstimo.
Uma roupa vestida pela consciência
só pra ela poder brincar de “gente”.
Mas e se o nome que repetes todos os dias
não for teu verdadeiro nome,
mas o eco do chamado que ainda não respondeste?
E se teu rosto for apenas uma metáfora
que teus ancestrais esculpiram com medo de se perder?
E se você for mais próximo da dúvida do que da certeza?
Os deuses…
ah, esses velhos astros aposentados
que agora moram em memes e marketing —
eles não morreram.
Eles viraram neurotransmissores.
Marte é um pico de cortisol.
Afrodite, uma oxitocina bem colocada.
Hermes, um pensamento acelerado demais para dormir.
E você os invoca sem altar, sem saber.
Cada impulso teu
é um mito em versão beta.
Já percebeu?
O inconsciente é só o backstage onde o Real tira os sapatos.
Ali, o medo faz cafuné na tua coragem
e o amor veste a roupa da raiva só pra testar tua escuta.
E o tempo?
Ah, o tempo nunca andou pra frente.
Ele é circular,
como uma desculpa elegante que o universo encontrou
pra você rever suas lições com disfarces novos.
Por isso os encontros se repetem.
Por isso você sonha com coisas que não viveu.
Por isso certos olhares te dizem “voltei”
quando tudo ao redor insiste em “prazer, quem é você?”
Há uma memória antes da memória.
E é ela que este poeta tenta tocar.
No silêncio que antecede o nascer do dia,
há um registro escrito sem tinta nem voz,
onde o tempo se curva em linhas invisíveis
e o espaço se descortina como uma página em branco.
Cada instante é uma letra que se inscreve
no vasto compêndio da existência,
um sinal de que o agora é eterno
e o futuro, ainda por decifrar.
Em cada partícula, há uma história não contada,
um universo pulsante de possibilidades latentes,
onde a matéria se faz verso e a energia, refrão
de um cântico que transcende a lógica do olhar.
Não há fronteiras entre o ser e o nada,
apenas a dança contínua dos elementos
que se entrelaçam como pensamentos
na imensidão de um cosmos que se recria a cada sopro.
As ideias fluem como rios sem destino,
modelando pontes entre o que é e o que pode ser,
num diálogo silencioso entre o intangível
e o palpável, onde o querer se transforma
na matéria bruta da realidade.
E a mente, esse espaço em constante mutação,
se expande para abarcar horizontes inéditos,
desafiando o próprio conceito de limite.
Há, na cadência das estrelas, um compasso
que não se faz medido por relógios ou calendários,
mas pela sutileza de cada respiração,
pelo encontro espontâneo entre o sonho e o despertar.
E assim, o universo se revela em fragmentos
de pura possibilidade, onde cada suspiro
é uma nota em uma sinfonia sem partitura,
um convite para que o ser se reinvente.
Quebrar as barreiras do conhecido
é mergulhar no oceano profundo da incerteza,
onde o risco e a descoberta se fundem
num único impulso, num salto de fé
que reescreve as regras do existir.
Não há verdades fixas, apenas o movimento
incessante de transformar o que foi em novo,
de encontrar, no caos, a ordem que se oculta.
E se a razão, por vezes, se mostra insuficiente,
que seja então a intuição a bússola do espírito,
guiando-nos pelos caminhos inexplorados
da imaginação e da contemplação.
Pois cada pensamento é uma semente
de um futuro que ainda se faz presente,
um reflexo do universo que se recria
no mistério de um agora que nunca se repete.
Neste manuscrito do infinito,
onde a existência se desdobra em versos silenciosos,
a cada página virada, surge o convite
para que o ser se descubra e se renove,
para que o enigma do próprio estar se descifre
na simplicidade de um momento,
na grandiosidade de um suspiro compartilhado
com o cosmos em sua eterna dança de possibilidades.
Não folheiam, mas sentenciam,
como quem encara um tomo fechado
e crê decifrar-lhe os mistérios
pelo traço do tempo na capa.
Murmuram que és raso enigma,
que teus passos se dissolvem no vento,
mas ignoram que teu caminho
se estende onde os pés daqueles que nem querem ousaram tocar.
O silêncio, esse arauto impassível,
sempre sussurra o que os tímpanos tíbios temem,
pois a grandeza, em seu estado incipiente,
é um espelho que fere os que não suportam o reflexo de si.
Potencial é trovão contido no horizonte,
um aviso que precede o dilúvio,
e aqueles que habitam sob telhados frágeis
preferem desacreditar o vento a fortalecer seus muros.
Humildade exige menos que compreender,
dissipar dói menos que buscar,
pois enxergar além da névoa
exige olhos que saibam ver.
Mas diga-me: quantos já viram a alvorada de um relâmpago
e compreenderam que estavam diante da luz,
e não apenas do eco que a sucede?
Os cegos ouvem e se espantam,
os sábios veem e se encantam.
A luz não suplica por meras críticas.
Rasga as trevas sem pedir permissão.
Ela rasga o véu das trevas impassível,
e somente aqueles que ousam encará-la
são dignos de testemunhá-la.
No início, o silêncio dançou,
Entre o nada e o tudo se criou,
A palavra, som não dito, brotou,
E a luz oculta em faíscas brilhou.
Do ponto surgiu a linha infinita,
O Nome esculpido no tempo, bendito.
Quatro letras, sopro eterno da vida,
E no sopro, o mistério não dito.
Yod é a chama que nunca se apaga,
Hei é o ventre onde o cosmos repousa,
Vav, a ponte que une o céu e a estrada,
Hei final, a vida que floresce formosa.
Ó viajante, que busca o segredo,
No coração a chave do Todo está.
No reflexo da alma, o espelho do Éden,
E o Tetragrama em seu ser pulsará.
E quando me disseram quem eu era, tive a coragem de esquecer. Porque só assim pude me lembrar de quem sou.
Aquele que busca apenas acumular conhecimento, encontrará um espelho. Aquele que busca a verdade, encontrará um portal.
Assim como o rio segue seu curso e deságua no oceano, assim também a Luz flui incessantemente, nutrindo tudo o que existe. Aquele que compreender este fluxo, navegará sem resistência no mar infinito da existência.
Quem compreende a unidade, não teme a tempestade, pois sabe que o vento que sopra forte é o mesmo vento que o leva ao destino certo.
Aquele que solta, encontra. Aquele que luta contra a corrente, se cansa. Mas aquele que aprende a nadar com o rio, descobre que a jornada já o leva para onde precisa estar.
Quem conhece a direita e ignora a esquerda está perdido. Quem conhece a esquerda e ignora a direita está iludido. Mas quem conhece ambas e as une dentro de si, esse está desperto.
Aquele que vê a Árvore como um simples desenho, nunca colherá seus frutos. Mas aquele que se torna um com seus ramos, jamais conhecerá limites.
As letras dançam no espaço e tecem o mundo. Aquele que vê apenas palavras, vê apenas sombras. Mas aquele que vê a Luz por trás das letras, vê a essência da criação.
Os 72 Nomes não são palavras – são janelas para o infinito. Aquele que souber olhar através delas verá o que está além do véu da matéria.
Como espelhos astrais em perpétua correspondência, o que vibra nas alturas celestes repercute nos abismos da forma e o que pulsa no âmago secreto se revela nos contornos do mundo visível. A Árvore das Emanações — que é o diagrama vivo do Ser — espelha simultaneamente o templo do universo e o labirinto da alma. Decifrar seus ramos é percorrer os corredores ocultos do tempo fluido, sondar a carne alquímica da matéria e escutar o sopro do espírito no silêncio entre as esferas.
O tempo é um rio, e Binah é sua corrente. Mas o sábio sabe que, no coração da correnteza, há sempre um ponto imóvel onde tudo já aconteceu e nada jamais acontecerá.
Tiferet é o espelho que reflete o universo. Mas aquele que se vê no espelho e se reconhece na Luz, esse já não precisa mais do reflexo.
