Amor Impossivel Martha Medeiros

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Não consigo molhar os pés apenas
eu mergulho e só paro quando me afogo
eu me queimo e só paro quando derreto
eu me jogo e só paro quando me param.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Cartas Extraviadas e Outros Poemas. Porto Alegre: LP&M, 2010.

As boazinhas que me perdoem

Qual o elogio que uma mulher adora receber? Bom, se você está com tempo, pode-se listar aqui uns 700: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais. Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a sua cara. Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número. Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa. Mas não pense que o jogo está ganho: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta. Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios. Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical. Agora quer ver o mundo cair? Diga que ela é muito boazinha.
Descreva uma mulher boazinha. Voz fina, roupas pastéis, calçados rente ao chão. Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana. Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor. Nunca teve um chilique. Nunca colocou os pés num show de rock. É queridinha. Pequeninha. Educadinha. Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos. Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas. Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos. A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho. Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa. Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas. Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais. Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen. Ser chamada de patricinha é ofensa mortal. Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa. Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo. As boazinhas não têm defeitos. Não têm atitude. Conformam-se com a coadjuvância. PH neutro. Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje. Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos. As “inhas” não moram mais aqui. Foram para o espaço, sozinhas.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Liberdade Crônica. Porto Alegre: L&PM, 2014.

Creio que fui abençoada com um coração gigantesco e em contrapartida com um pavio bem curto, são os ápices que me mantém em pé!

Martha Medeiros

Nota: Autoria não confirmada

O mundo já caiu, baby. Só nos resta dançar sobre os destroços.

Martha Medeiros
Doidas e santas. Porto Alegre: L&PM, 2008.

Nota: Autoria não confirmada.

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Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro com isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura o outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Doidas e Santas. Porto Alegre: L&PM, 2008.

Nota: Trecho da crônica "Falar"

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O jeito é curtir nossas escolhas e abandoná-las quando for preciso, mexer e remexer na nossa trajetória, alegrar-se e sofrer, acreditar e descrer, que lá adiante tudo se justificará, tudo dará certo.

Quem é você, de verdade?
As pessoas mais talentosas, em sua maioria, são as mais modestas, autênticas e sem pose.

Martha Medeiros

Nota: Autoria não confirmada

Somos todos pontas de icebergs. Deixamos à mostra apenas um pedaço do que somos.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Non-stop: crônicas do cotidiano. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001.

Eu sou feito de
sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos.

Martha Medeiros

Nota: Trecho do poema "Pedaços de mim"

Quero o circo todo a que tenho direito: sedução, fantasia, tempo. Quero um romance longo, quero intimidade. Fazer cena de ciúme, terminar, voltar, amar, brigar de novo, telefonar, pedir desculpas, retornar. Amantes bem comportadas são um tédio.

A solidão só me dá prazer na medida em que sei que ela é uma escolha. Solidão só dói quando é inevitável.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Trem-Bala. Porto Alegre: L&PM, 1997.

Fui abençoada com um coração meiguíssimo e em contrapartida com um pavio bem curto. Exatamente igual a um vidro: se me jogar no chão, eu quebro... mas se me pisar, te corto.

Tô nem aí

Tô nem aí pro futuro, pra celulite, tô nem aí para queixas datadas, tô nem aí pro telefone mudo, pros surdos, pro preço do combustível, tô nem aí se vai chover amanhã, se o presidente vai viajar, se vai voltar, tô nem aí.

Pra discussão sobre maioridade penal, violência e barbárie, tô aí. Pro fim desta impunidade que incrementa a bestialização das nossas vidas, tô muito aí.

Tô nem aí pros especuladores da vida alheia, pro Schwarzenegger, pros índices de audiência, tô nem aí se fui convidada ou preterida, quem é a primeira da lista, a segunda, a última, tô nem aí pro novo namorado da Nicole, pras declarações da Luana, quem é gay ou não, com silicone ou sem, se é virgem, se é rodada.

Pros sentimentos das pessoas, tô aí. Para seus desejos e dúvidas, para seus medos e ousadias, tô aí. Para tudo aquilo que tem consistência, para tudo aquilo que nos comove, para o leve e o denso, para a alegria genuína e para o luto, tô aí, sim.

Tô nem aí para quantas calorias tem um bife, tô nem aí pra corrida espacial, se há vida após a morte, tô nem aí pro carro do ano, pra musa do próximo verão, pro gol mais bonito do domingo, pra manchete da capa de amanhã.

Para a grosseria e a falta de delicadeza que corrói as relações, tô aí. Para a brutalidade das pessoas, pro egoísmo, pra falta de educação e civilidade, para todos que possuem uma nuvem preta acima da cabeça e a carregam pra onde quer que vão, tô aí e me dói profundamente.

Tô nem aí pro que foi decidido na reunião de condomínio, na reunião de cúpula, na reunião de mães, nas reuniões que duram mais de dez minutos, tô nem aí pro salário dos outros, pras novas tendências, pra cotação das minhas ações no mercado externo.

Tô aí pra alguns, pros meus. Tô aí e estou aqui. Estou atenta. Estou dentro. Estou me vendo. Estou tentando. Estou querendo. Estou a postos só para o mínimo, o máximo. Para o que importa mesmo. Para o mistério. A verdade. O caos. O céu. O inferno. Essas coisas.

No mais, tô nem aí. Refrão e desabafo

Martha Medeiros
Crônica "Tô nem aí", 2003.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 8 de dezembro de 2003.

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O mulherão

Peça para um homem descrever um mulherão. Ele imediatamente vai falar do tamanho dos seios, na medida da cintura, no volume dos lábios, nas pernas, bumbum e cor dos olhos. Ou vai dizer que mulherão tem que ser loira, 1,80m, siliconada, sorriso colgate. Mulherões, dentro deste conceito, não existem muitas: Vera Fischer, Leticia Spiller, Malu Mader, Adriane Galisteu, Lumas e Brunas. Agora pergunte para uma mulher o que ela considera um mulherão e você vai descobrir que tem uma a cada esquina.

Mulherão é aquela que pega dois ônibus por dia para ir para o trabalho e mais dois para voltar, e quando chega em casa encontra um tanque lotado de roupa e uma família morta de fome. Mulherão é aquela que acorda de madrugada para pegar a senha da matrícula na escola e aquela aposentada que passa horas em pé na fila do banco para buscar uma pensão merreca. Mulherão é a empresária que administra dezenas de funcionários de segunda a sexta, e uma família todos os dias da semana. Mulherão é quem volta do supermercado segurando várias sacolas depois de ter pesquisado preços e feito malabarismo com o orçamento. Mulherão é aquela que se depila, que passa cremes, que se maquia, que faz dieta, que malha, que usa salto alto, meia-calça, ajeita o cabelo e se perfuma, mesmo sem nenhum convite para ser capa de revista. Mulherão é quem leva os filhos na escola, busca os filhos na escola, leva os filhos pra natação, busca os filhos na natação, leva os filhos pra cama, conta histórias, dá um beijo e apaga a luz. Mulherão é aquela mãe de adolescente que não dorme enquanto ele não chega, e que de manhã bem cedo já está de pé, esquentando o leite.
Mulherão é quem leciona em troca de um salário mínimo, é quem faz serviços voluntários, é quem colhe uva, é quem opera pacientes, é quem lava roupa pra fora, é quem bota a mesa, cozinha o feijão e à tarde trabalha atrás de um balcão. Mulherão é quem cria filhos sozinha, quem dá expediente de oito horas e enfrenta menopausa, TPM e menstruação. Mulherão é quem arruma os armários, coloca flores nos vasos, fecha a cortina para o sol não desbotar os móveis, mantém a geladeira cheia e os cinzeiros vazios. Mulherão é quem sabe onde cada coisa está, o que cada filho sente e qual o melhor remédio pra azia.

Lumas, Brunas, Carlas, Luanas e Sheilas: mulheres nota dez no quesito lindas de morrer, mas MULHERÃO É QUEM MATA UM LEÃO POR DIA.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Feliz por Nada. Porto Alegre: L&PM, 2011.

EU, MODO DE USAR

Pode invadir
Ou chegar com delicadeza,
Mas não tão devagar que me faça dormir.
Não grite comigo, tenho o péssimo habito de revidar...

Toque muito em mim
Principalmente nos cabelos
E minta sobre a nocauteante beleza.

tenha vida própria,
Me faça sentir saudades,
Conte algumas coisas que me fazem rir...
Viaje antes de me conhecer,
Sofra antes de mim para reconhecer-me...
Acredite nas verdades que digo
E também nas mentiras, elas serão raras
e sempre por uma boa causa.

Respeite meu choro,
Me deixe sozinha,
Só volte quando eu chamar e,
Não me obedeça sempre
que eu também gosto de ser contrariada
Então fique comigo quando eu chorar, combinado?

Me conte seus segredos...
Me faça massagem nas costas
Não fume,
Beba,
Chore,
eleja algumas contravenções.
Me rapte!
se nada disso funcionar...

Experimente me amar!

Martha Medeiros

Nota: Versão adaptada da crônica "Eu, modo de usar" de Martha Medeiros.

Como é incômodo estar diante de uma pessoa com quem se trocou emoção intensa e depois cruzar com ele na rua e dizer apenas: tudo bem?

Tem muita gente que se distrai e é feliz pra sempre, sem conhecer as delícias de ser feliz por uns meses, depois infeliz por uns dias, felicíssimo por uns instantes, em outros instantes achar que ficou maluco.

Martha Medeiros
MEDEIROS, M. Montanha Russa. Porto Alegre: L&PM Editores, 2003.

O que quer uma mulher

Um bebê nasce. O médico anuncia: é uma menina! A mãe da criança, então, se põe a sonhar com o dia em que a sua princesinha terá um namorado de olhos verdes e casará com ele, vivendo feliz para sempre.
A garotinha ainda nem mamou e já está condenada a dilacerar corações.
Laçarotes, babados, contos de fadas: toda mulher carrega a síndrome de Walt Disney.
Até as mais modernas e cosmopolitas têm o sonho secreto de encontrar um príncipe encantado. Como não existe um Antonio Banderas para todas, nos conformamos com analistas de sistemas, gerentes de marketing, engenheiros mecânicos. Ou mecânicos de oficina mesmo, a situação não anda fácil. Serão eles desprezíveis? Que nada. São gentis, nos ajudam com as crianças, dão um duro danado no trabalho e têm o maior prazer em nos levar para jantar. São príncipes à sua maneira, e nós, cinderelas improvisadas, dizemos sim! sim! sim! diante do altar; mas, lá no fundo, a carência existencial herdada no berço jamais será preenchida.
Queremos ser resgatadas da torre do castelo. Queremos que o nosso pretendente enfrente dragões, bruxas, lobos selvagens. Queremos que ele sofra, que vare a noite atrás de nós, que faça tudo o que o José Mayer, o Marcelo Novaes e o Rodrigo Santoro fazem nas novelas. Queremos ouvir "eu te amo" só no último capítulo, de preferência num saguão de aeroporto, quando ele chegará a tempo de nos impedir de embarcar.
O amor na vida real, no entanto, é bem menos arrebatador. "Eu te amo" virou uma frase tão romântica quanto "me passa o açúcar". Entre casais, é mais fácil ouvir eu "te amo" ao encerrar uma ligação telefônica do que ao vivo e a cores. E fazem isso depois de terem se xingado por meia-hora. "Você vai chegar tarde de novo? Tenha a santa paciência, o que é que você tanto faz nesse escritório? Ontem foi a mesma coisa, que inferno! Eu é que não vou preparar o jantar para você às dez da noite, te vira. Tchau, também te amo." E batem o telefone possessos.
Sim, sabemos que a vida real não combina com cenas hollywoodianas.
Sabemos que há apenas meia dúzia de castelos no mundo, quase todos abertos à visitação de turistas. Sabemos que os príncipes, hoje, andam meio carecas, usam óculos e cultivam uma barriguinha de chope. Não são heroicos nem usam capa e espada, mas ao menos são de carne e osso, e a maioria tentaria nos resgatar de um prédio em chamas, caso a escada magirus alcançasse o nosso andar. Não é nada, não é nada, mas já é alguma coisa.
Dificilmente um homem consegue corresponder à expectativa de uma mulher, mas vê-los tentar é comovente. Alguns mandam flores, reservam quarto em hotéizinhos secretos, surpreendem com presentes, passagens aéreas, convites inusitados. São inteligentes, charmosos, ousados, corajosos, batalhadores.
Disputam nosso amor como se estivessem numa guerra, e pra quê? Tudo o que recebem em troca é uma mulher que não pára de olhar pela janela, suspirando por algo que nem ela sabe direito o que é.
Perdoem esse nosso desvio cultural, rapazes. Nenhuma mulher se sente amada o suficiente.

Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz - com todo o respeito - é apenas o que você diz.

Martha Medeiros

Nota: Autoria não confirmada

Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.