Célia Moura
É perigoso ser autêntico, mas melhor é viver no perigo da autenticidade do que na anulação da nossa essência.
Trago em mim a infância guardada numa caixa de madeira com uma fita de seda. Quase todos os dias a espreito para me reencontrar num sorriso de miúda sem idade.
A incompetência considera-se sábia, porque a Sabedoria não passa de loucura silenciada pelos capitalistas desta terra.
Partilha o que tiveres de ti, não poderá ser de outro modo,
Que sempre sobrevivas à miséria que hoje fustiga a alma do teu Irmão.
Não impeças o curso às águas.
Não emprestes. Dá. Porque nada do que tens é realmente teu.
A tua ideologia política, religiosa ou seja ela qual for só será coerente, e aí sim terá algum valor, se tiver como base o respeito pela não ideologia do teu semelhante.
Um dos melhores caminhos para a Sabedoria é ter ingenuidade de criança
e não se levar muito a sério.
A vida é apenas uma ponte que atravessa o rio.
Se inicia de alegria numa margem e finda de lágrimas despida na outra margem.
Dancemos sobre ela!
O melhor lifting para a pele de uma mulher é ser amada, e o seu melhor ginásio é fazer amor apaixonadamente com o homem que a faz vibrar.
Quero la saber o que o sistema pensa de mim ,o que os outros pensam de mim! Nunca fiz parte de nenhum deles!
Eu quero saber o que a minha consciência diz de mim ,isso sim poderá ou não me perturbar.
Chamo-te hoje,
Porque pensar-te
É a lâmina mais feroz.
Êxtase de te revelar segredos,
E te acolher no ventre, ó vagabundo,
Entre o pranto e o anoitecer,
Estremecendo vagas de solidão em aguaceiros de poesia.
Ó desconhecido de todos os desalentos,
Escancarando vida no umbral da porta,
Imaginei-te somente!
E, guardiã da tristeza intrínseca,
Baptizei-te alento,
Prenúncio de temporal.
Grito-te ainda,
Porque o silêncio a bailar entre risonhos girassóis,
É o tempo mais sublime,
Ânsia de ansiar
Nossos corpos esculpidos
Num sopro de infinito.
© Célia Moura – Do livro “Enquanto Sangram As Rosas…” (2011)
A Sophia de Mello Breyner
Aquela madrugada que irrompeu em nós
*“dia inicial e primeiro”,
esses ventos anunciando germinação
aquela madrugada em que das cinzas renascemos
Sophia,
repousa-me na garganta em estilhaços.
Aquele hino que ao colo do meu Pai
há décadas ansiado
sorrindo cantarolei.
Aqueles belos cravos vermelhos
a transbordar sangue fervilhante
de mim
hoje são farpas rasgando-me as entranhas
toda a quimera que inventei.
Aquela madrugada algures já perdida
é como um denso nevoeiro
onde ouço o grito da fome
do meu Irmão
a sussurrar clemência pelo chão.
Passa por ele tanto capitalista
mas nenhum lhe estende a mão.
Cegueira instalada e brutal
desdém!
Pobreza mais miserável que a própria fome
é a condenação à mesma!
Tal qual uma manta de retalhos
velha e dolorida.
Fomos vendidos
hipotecaram nossas vestes
cobrindo-nos de maldição e vergonha.
Vertem lágrimas
os craveiros vermelhos que gritaram
no peito daquela madrugada
repousa tu aí sabedoria eleita,
teu leito de Liberdade.
Eu permaneço pela enseada
nas asas de uma gaivota
cantarolando como se ainda estivesse
ao colo do meu Pai.
(*Sophia de Mello Breyner)
© Célia Moura (2015)
Predestinação
Adivinho-te
As lágrimas
E as quimeras derramadas
Dos olhos hirtos da noite,
E num abraço não contido
Envolvo-te…
Há diademas de Coragem
Esculpidos no sopro da aurora,
Estonteantes enigmas embutidos
Nas paredes da casa branca.
Predestinadas oscilações dos dias!
A casa branca
Chamou por nós.
Etérea,
Na derradeira aspiração,
Em esgares de agonia,
Ruiu
Aos pés do desalento.
Tristes tulipas,
Apoteóticas ninfas,
Dançam ainda
Tchaikovsky
No jardim.
Célia Moura - “Vestida De Silêncio”
A TUA DOR, IRMÃO
Doem-me todas as palavras
No teu corpo de solidão
Enquanto a madressilva me sorri.
A Liberdade de um grito
Cravado em mim
Que desconheço.
Doem-me inclusive as sílabas
Dos teus lábios de silêncio
Em redor da enseada.
Doem-me castiçais de prata
Transbordando corvos feridos,
E sementes que jamais germinarão.
Dói-me este pão de cada dia
Irmão,
A tua fome que encerro em mim,
O teu frio que me rasga por inteira.
Dói-me este sangue de traição,
Esta ânsia de jasmim,
Este beiral de pardais,
Pedaço de ti.
Dói-me a luz da cidade desperta.
Mata-me o desassossego do fado
Que me liberta e santifica
Num altar de cravos e madrugada…
…e finalmente já exausta de mais um hino à tua, nossa Dor
Meu irmão,
Todas as palavras me doem,
Seja qual for o Caminho!
© Célia Moura – Do livro “Enquanto Sangram As Rosas…
Lancei ao mar todas as memórias de ti.
Para que as quero eu guardadas como preciosas pérolas se me permaneces no ventre.
A Pastelaria Defronte À Casa Vazia De Mim
Na pastelaria defronte à casa vazia de mim
onde habito
distraio-me nas gargalhadas imbecis
das gentes rotineiras que absorvem meias de leite e galões
fazendo uma espécie de orquestra
com o autocarro parado adiante
falando da vida alheia
com a boca tão cheia
que chegam a cuspir “gafanhotos”espaciais
apanhando os mais incautos.
São raras as vezes que passo por lá,
mas gosto de observar o saltitar dos pardais em busca de migalhas.
Na pastelaria defronte à casa
onde ainda habito
o álcool ameniza as mágoas,
a marijuana devolve-lhes
os sonhos mais banais
e as crianças vagueiam soltas sem jantar
brincando e comendo gomas e chocolates.
Se ao menos fossem como os pardais da manhã a saltitar entre as mesas,
se ao menos fossem como alguns cães que certas senhoras
levam a passear aos quais compram bolos de arroz ou com eles dividem a tosta mista!
Quão estéril é a pastelaria defronte a esta casa vazia de mim!
O silêncio é sempre a melhor opção.
Seja ele de escárnio, de desprezo ou até mesmo do mais profundo amor.
Não é a idade capaz de retirar beleza a uma mulher, bem pelo contrário, existem mulheres que com o avançar da idade se tornam ainda mais belas, mas sim e nefastamente a falta de saúde e de amor.
Célia Moura
Caminhante é todo aquele que, ainda que lhe seja limitado o seu trilho, lança sementes no vento, nas mãos das gentes, não importa onde.
Importante é lançar sementes, é abrir veredas e prosseguir o Caminho.
Reconhece os teus amigos, mas tão importante como isso será conheceres os teus inimigos. Esses, não os percas de vista, pois são veneno de víboras em teus calcanhares.