Vc Entrou na minha Vida

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A felicidade entrou com o pé na porta e sentou ao meu lado. Eu não estava mais sozinha esperando o espéculo. O trânsito todo parado e ela acena no carro ao lado, depois morre de vergonha e toma bronca do pai para sentar direito na cadeirinha. O dia meio cinzento, vai-não-vai e de repente ela surge amarela e esquenta a vida. Ela mora numa gaveta cheia de bobeirinhas lá em casa... Ela toma banho comigo quando a água leva embora coisa ruim e renova a alma e dorme ao meu lado quando eu descanso...

Acontece

Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.

Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.

Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.

Que entrevista espaçosa e especial!

(Últimos Poemas)

Pablo Neruda
Antologia fundamental

Assim que o amor entrou no meio, o meio virou amor.

DOS MUNDOS
Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

Mario Quintana
QUINTANA, Mario. Espelho mágico. Ed. Globo. 2005

A uma mulher

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.

Rio de Janeiro, 1933

O aborrecimento entrou no mundo pela mão da preguiça.

Entrou na minha vida sem pedir licença, bagunçou meus sentimentos e depois foi embora sem nem me avisar. Por que?

AVESSO

pode parecer promessa
mas eu sinto q vc é a pessoa
mais parecida comigo
que eu conheço
só q do lado do avesso

pode ser q seja engano
bobagem ou ilusão
de ter vc na minha
mas acho q com vc eu me esqueço
e em seguida eu aconteço

por isso deixo aqui meu endereço
se vc me procurar
eu apareço
se vc em encontrar
te reconheço

A felicidade entrou com o pé na porta e sentou ao meu lado. O dia meio cinzento, vai-não-vai e de repente ela surge amarela e esquenta a vida. Ela mora numa gaveta cheia de bobeirinhas lá em casa. Ela toma banho comigo quando a água leva embora coisa ruim e renova a alma e dorme ao meu lado quando eu descanso.

As 10 coisas que eu mais odeio em você



Odeio ver você chegar e iluminar meu dia



Odeio seu abraço me envolvendo em noites frias



Odeio sua voz sussurrando
palavras doces em meu ouvido



Odeio olhar em seus olhos
e ver em você mais que um amigo



Odeio a saudade que sinto
quando você vai embora



Odeio sentir seu perfume em qualquer
lugar que eu vá, a toda hora



Odeio beijar outras bocas
com o pensamento em você



Odeio pensar em você o dia inteiro,
dormir e sonhar com você



Odeio ver seu rosto entre a multidão
e ver que na verdade
era apenas um rosto desconhecido, uma farsa



E odeio mais ainda, não conseguir te odiar,
por mais que eu tente
ou por menos que você faça.

Não sei muito bem com qual propósito você entrou em minha vida, eu só sei que você a mudou.

Se você for capaz de esquecer bem esquecido à tarde em que entrou na minha vida só pra mandar na minha própria rotação. Se você for capaz de esquecer bem esquecido o olhar que sempre te dei descaradamente só pra você sentir firmeza no que eu via. Se você for capaz de esquecer bem esquecido minha implicância com você nas coisas simples em que te irritava só pra sentir a sua ira nas palavras. Se você for capaz de esquecer bem esquecido a coleção de músicas que fizemos só pra dar o ritmo em cada passo ou coreografia que inventávamos.

Se você for capaz de esquecer bem esquecido os textos só pra tirar proveito de uma frase ou outra. Se você for capaz de esquecer bem esquecido todas as vezes que eu desabafei sem pestanejar só pra saber se você estava na mesma ebulição que eu. Se você for capaz de esquecer bem esquecido a sua não desistência e a minha tão forte teimosia em encarar o que já estava bem escancarado. Se você for capaz de esquecer bem esquecido o fato de que quando você aparecia todo o resto desaparecia pra dar lugar ao que realmente me fazia querer. Se você for capaz de esquecer bem esquecido o que me faz sorrir, o que me faz gargalhar, o que faz me perder, o que me faz sonhar, o que me faz te querer.

Se você for capaz de esquecer o nosso fora do comum, a nossa montanha de cume infinito, o nosso pra sempre, o nosso absurdamente fudido. Se você for capaz de esquecer os onze dias que deram lugar para onze madrugadas só pra nos levar à exaustão de um momento interminável. Se você for capaz de esquecer bem esquecido que o gosto nunca foi o mesmo em quase sete meses de convivência diária, que a rotina nunca foi igual nas tardes que chovia ou que o sol reinava que as brigas faziam parte de um pacote que precisa ser inteiro, que a procura nunca encontrou a porta do orgulho fechada. Se você for capaz de esquecer bem esquecido a rede que nos balança, as moscas que trepam, a energia que falta, o ciúme que cutuca, o vento que faz o cabelo mexer, o olhar iluminado, o azul, o vermelho, a primeira tragada que é nossa, a sede, a fome, a sombra, o deserto, a marca, o sangue, a mesa, a varanda, o pé de manga.

Se você for capaz de esquecer bem esquecido meu coração acelerado, meu peito explodindo, meu amor transbordando, minhas mãos sendo os seus dedos, meu corpo o instrumento e minha alma a ligação. Se você for capaz de esquecer bem esquecido que não importa quem manda quem pro inferno, eu sempre troco a minha escuridão pela sua luz, a sua magoa pela minha certeza, a minha chateação pelo seu perdão que sempre é de coração, o meu vazio pelo o seu cheio, nossas palavras erradas pelas fortes, mas certas, o meu beijo pelo seu abraço, meu tudo pelo o seu amor. Se você for capaz de esquecer bem esquecido que somos uma história inteira em um curto período de tempo, que sua história sempre foi a continuação da minha, que minha história não encontra o ponto final na sua. Se você for capaz de esquecer bem esquecido que te amo descaradamente...


... eu esqueço mesmo e muito bem esquecido.


Jota Cê

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Carta a um desconhecido

Um dia você entrou em minha vida com o codinome “Anjo”,
abraçou-me com sua ternura infinita, regou meus medos e angustias com sua alegria incontida , e os transformou em Ousadia.
Voei alto, mergulhei de cabeça, entreguei-me de corpo alma e coração.
Percebi pela primeira vez, que o livre arbítrio era meu, que em minhas mãos estava a chance de ser feliz.
A escolha era minha!
Sem perceber fui me envolvendo, percorrendo um caminho desconhecido, mas com a certeza pulsante que era o melhor.
Não me enganei. Você foi o meu divisor de águas.
Fez-me ver ,que as dores existem, mas que cabe a cada um de nós , enxergá-las como aprendizado.
Nessa relação , abri mão de conceitos pré-estabelecidos e criei os meus.
E isso foi maravilhoso.
Aprendi a andar por caminhos nem sempre floridos, que deixaram marcas indeléveis.
Perdi-me, é verdade.
Mas amei.
Hoje, tenho em minhas mãos, bem mais que a vida.
Tenho esperanças, sonhos a serem realizados, alegrias pra serem vividas e um bauzinho de boas lembranças, cuidadosamente guardadas .
Mais que nunca, , tenho hoje , plena consciência que sou protagonista da minha história, e que cabe somente a mim, decidir por ela.
Descobri que a felicidade não está no outro, mas dentro de mim. E que a responsabilidade de cultiva-la é inteiramente minha.
As dores e os sofrimentos, acabaram.
Decidi ser feliz , assumir o leme da embarcação e navegar no mar da vida de forma mais serena, procurando, na medida do possível ,a calmaria, mas sem medo da tempestade .
O meu amor por você não se arrefeceu.
Continuo amando-o e desejando-o com a mesma intensidade, só acrescida da serenidade que se faz necessária ,para se viver, não uma grande paixão, mas um grande amor!

Com amor,

"Se vc quiser ser bom o mundo não vai levá-lo a sério, se quiser ser mal o mundo não vai acreditar em vc, consiste nisto a espantosa besteira do otimismo".

Não duvide do valor da vida, da paz, do amor, do prazer de viver, enfim, de tudo que faz a vida florescer. Mas duvide de tudo que a compromete. Duvide do controle que a miséria, ansiedade, egoísmo, intolerância e irritabilidade exercem sobre você. Use a dúvida como ferramenta para fazer uma higiene no delicado palco da sua mente com o mesmo empenho com que você faz higiene bucal.

Augusto Cury
"Mentes Brilhantes, Mentes Treinadas", Academia

O teu jeito de ser me conquistou
de um jeito que eu não sei dizer
Eu queria esclarecer
Que no pensamento você nunca sumiu
Toda noite, todo dia eu me lembro de você
Então me dá uma pista ou pelo menos um olhar
Eu quero você, não agüento mais sonhar
Então me dá um mapa ou alguma direção
Ou um jeito de tocar seu coração

Pode ter certeza de que quando eu entrar
Eu não vou sair pra nenhum outro lugar
Pois nesse tempo longe eu não pude esquecer
Tudo isso indica que o que eu quero é você
Se mesmo assim você nunca me ouvir
Ouça essa canção que eu fiz pra você
Pense nisso tudo que eu te digo aqui
Tudo que eu quero é fazer você feliz

Quero seus olhinhos olhando pra mim
Quero uma história simples, simples e sem fim
Quero tudo o que eu puder, mas sempre ao seu lado
Se você for uma droga,quero está sempre chapado de você
Eu só queria esclarecer...
Tudo o que eu sinto por você...
Sempre ao seu lado viver

O dia que Júpiter encontrou Saturno

Foi a primeira pessoa que viu quando entrou. Tão bonito que ela baixou os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. Deram-lhe um copo de plástico com vodka, gelo e uma casquinha de limão. Ela triturou a casquinha entre os dentes, mexendo o gelo com a ponta do indicador, sem beber. Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados, devagarinho conquistou uma cadeira de junco junto a janela. A noite clara lá fora estendida sobre Henrique Schaumann, a avenida poncho & conga, riu sozinha. Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz. Molhou os lábios na vodka tomando coragem de olhar para ele, um moço queimado de sol e calças brancas com a barra descosturada. Baixou outra vez os olhos, embora morena também, e suspirou soltando os ombros, coluna amoldando-se ao junco da cadeira. Só porque era sábado e não ficaria, desta vez não, parada entre o som, a televisão e o livro, atenta ao telefone silencioso. Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.

Não que estivesse triste, só não sentia mais nada.

Levemente, para não chamar atenção de ninguém, girou o busto sobre a cintura, apoiando o cotovelo direito sobre o peitoril da janela. Debruçou o rosto na palma da mão, os cabelos lisos caíram sobre o rosto. Para afastá-los, ela levantou a cabeça, e então viu o céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Vista assim parecia não uma moça vivendo, mas pintada em aquarela, estatizada feito estivesse muito calma, e até estava, só não sentia mais nada, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco parada assim, meio remota, o moço das calças brancas veio se aproximando sem que ela percebesse.

Parado ao lado dela, vistos de dentro, os dois pintados em aquarela - mas vistos de fora, das janelas dos carros procurando bares na avenida, sombras chinesas recortadas contra a luz vermelha.

E de repente o rock barulhento parou e a voz de John Lennon cantou 'every day, every way is getting better and better'. Na cabeça dela soaram cinco tiros. Os olhos subitamente endurecidos da moça voltaram-se para dentro, esbarrando nos olhos subitamente endurecidos dos moço. As memórias que cada um guardava, e eram tantas, transpareceram tão nitidamente nos olhos que ela imediatamente entendeu quando ele a tocou no ombro.

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você gosta de Júpiter?
-Gosto. Na verdade "desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra".
-Que é isso?
-Um poema de um menino que vai morrer.
-Como é que você sabe?
-Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

(Silêncio)

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

(Silêncio)

-Como é que você sabe?
-O quê?
-Que o menino vai se matar.
-Sei de muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.
-Eu não sei nada.
-Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.
-Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
-Ninguém compreende.
-Às vezes sim. Eu te ensino.
-Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também.
-Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?

(Silêncio)

-Você tomou alguma coisa?
-O quê?
-Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.
-Não tomei nada. Não tomo mais nada.
-Nem eu. Já tomei tudo.
-Tudo?
-Cogumelos têm parte com o diabo.
-O ópio aperfeiçoa o real.
-Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.

(Silêncio)

-Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.
-Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.
-Alguma coisa se perdeu.
-Onde fomos? Onde ficamos?
-Alguma coisa se encontrou.
-E aqueles guizos?
-E aquelas fitas?
-O sol já foi embora.
-A estrada escureceu.
-Mas navegamos.
-Sim. Onde está o Norte?
-Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.

(Silêncio)

-Você é de Virgem?
-Sou. E você, de Capricórnio?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando "Kiss, kiss, kiss". Por que você não me convida para dormirmos juntos.
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Porque não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.
-Te beijo.

Foi a última pessoa que viu ao sair. Tão bonita que ele baixou os olhos, sem saber sabendo que ela também o tinha visto. Desceu pelo elevador, a chave do carro na mão. Rodou a chave entre os dedos, depois mordeu leve a ponta metálica, amarga. Os olhos fixos nos andares que passavam, sem prestar atenção nos outros que assoavam narizes ou pingavam colírios. Devagarinho, conquistou o espaço junto à porta. Os ruídos coados de festas e comandos da madrugada nos outros apartamentos, festas pelas frestas, riu sozinho. Ria sozinho quase sempre, um moço queimado de sol, com a barra branca das calças descosturadas, querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.

Mordeu a unha junto com a chave, lembrando dela, uma moça magra de cabelos lisos junto à janela. Baixou outra vez os olhos, embora magro também. E suspirou soltando os ombros, pés inseguros comprimindo o piso instável do elevador. Só porque era sábado, porque estava indo embora, porque as malas restavam sem fazer e o telefone tocava sem parar. Sorriu olhando em volta.

Não que estivesse triste, só não compreendia o que estava sentindo.

Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão de lado, saindo para a rua. Apoiou-se no poste da esquina, o vento esvoaçando os cabelos, e para evitá-lo ele então levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Visto assim parecia não um moço vivendo, mas pintado num óleo de Gregório Gruber, tão nítido estava ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco, a moça debruçou-sena janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido.

De repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando "se Deus quiser, um dia acabo voando". Na cabeça dele soaram cinco tiros. De onde estava, não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás.

Caio Fernando Abreu
Morangos Mofados

Você já entrou em uma situação que já sabia exatamente o que ia acontecer?
Mas você entra assim mesmo...
Então quando seus temores vem à tona...
Você se tortura, porque já sabia?
Mas isso é quem você é, e você fica se punindo por isso.

Alguém entrou no quarto de um poeta e perguntou: "por que ficas aqui sozinho, o dia inteiro?" O poeta respondeu: "agora, que entraste, eu realmente estou só, porque me separaste de Deus"

O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.