Mensagens de Natal de Martha Medeiros

Tudo isso e mais um feliz Natal

Que você consiga desgrudar das redes sociais, que dê uma longa caminhada sem que seus joelhos incomodem, que o sol apareça no dia que você tanto aguarda, que sair da dieta não interfira na sua silhueta, que você tenha a oportunidade de ajudar alguém que está precisando, que ouça agora mesmo a música que você mais gosta, que os amigos que se sentiram magoados façam a gentileza de colocar uma pedra no assunto, que o vinho branco esteja indecentemente gelado, que o livro que você está lendo mantenha-se interessante até o fim, que você encontre um presente baratinho, que por alguns minutos você esqueça os problemas do país, que você se reconheça bonito ao se olhar no espelho e que tenha um feliz Natal.

Que você encontre o anel dos seus sonhos numa feira de rua, que pegue o último canapé do prato sem culpa, que reze mesmo sem crer o suficiente, que não dependa de companhia para viajar, que não perca muito tempo se arrependendo, que deixe a vida um pouco nas mãos do destino, que reveja fotos antigas, que tome um banho de mar inesquecível, que vá à luta por uma camiseta que seja a sua cara, que transe com alguém bem legal, que segure dentro da boca uma maldade, que chore sem ficar com o rosto inchado, que o check-up não acuse nada, que ganhe dois ingressos para o show do ano e que tenha um feliz Natal.

Que você pare um pouco de reclamar, que em tudo perceba alguma graça, que resolva ir caminhando em vez de tirar o carro da garagem, que use de uma vez aquela camisa escandalosa ou doe para uma escola de samba, que escute ambos os lados antes de distribuir acusações, que um WhatsApp salve o seu dia, que encontre uma nota de 50 reais no bolso da calça que está indo para a lavanderia, que te convidem para passar o Carnaval num lugar incomum, que tire bom proveito da insônia, que suma a espinha maldita que apareceu no nariz, que o dia termine sem nenhum contratempo e que tenha um feliz Natal.

Que você não leve um tombo na escada, que não fique preso no elevador, que não perca o chinelo de dedo na praia, que a chuva não estrague seu cabelo, que você mentalize que tudo pode ser simples, que pense duas vezes antes de fazer uma tatuagem no rosto, que vá para Londres sem mais nem menos, que sua barriga pare por aí, que consiga pagar em dia seu seguro-saúde, que você descubra o prazer de uma lanchonete de beira de estrada, que quando pedirem uma opinião sincera você não caia nessa, que entre fazer a coisa certa e a coisa errada você escolha fazer a coisa certa, que não subestime a importância das trivialidades e que tenha um feliz Natal.

É o que desejo pra você dentro do espírito de generosidade abundante que a data inspira.

Martha Medeiros

É possível encontrar o sentido do Natal sem montar presépio, sem assistir à missa do Galo e sem servilismo religioso. Basta que sejamos uma pessoa do bem, consciente das nossas responsabilidades coletivas e que passemos adiante a importância de se ter uma conduta digna. Nós todos podemos ser os pequenos “deuses” de nossos filhos, de nossos amigos e também de desconhecidos.

Martha Medeiros

O espírito da coisa

Você sempre pega o espírito da coisa? Geralmente o espírito da coisa é algo que fica subentendido, só as almas atentas conseguem captá-lo. A verdade é que, em um mundo cada vez mais pragmático, é difícil pegar o espírito da coisa, seja que coisa for essa.

O que dizer então do espírito do Natal? Antes ele entrava no ar assim que dezembro iniciava.
O espírito deste mês, para quem foi criança em outros tempos, era de pura magia. O Natal, que demorava tanto para chegar, estava batendo à porta. “Quantos dias faltam, mãe?” “Agora falta pouco, querida.” “Quanto?” “Uns 20 dias.” “Tudo isso!!!”

Mas a gente sabia que era pouco se comparado à longa espera de um ano inteiro. Em maio, junho, julho, o Natal ainda estava a perder de vista. Natal era o arremate do calendário, era a compensação por tanto estudo e provas na escola, era o prêmio por termos nos comportado bem, era a hora de colocar uma roupa bonita e ter algum desejo atendido, era hora de comer umas delícias diferentes, de rezar, de acreditar em todos os sonhos. O céu ficava mais azul, as estrelas davam cria e nunca, nunca chovia em dezembro. Então finalmente chegava o dia 24. A empregada era liberada logo depois do almoço, o pai voltava mais cedo pra casa e nenhum moleque reclamava de ir pro chuveiro, até gostava. Já de banho tomado, era hora de esperá-lo. Ele. O verdadeiro deus de toda criança, Papai Noel.

Hoje, mal entra dezembro — e com ele, trovoadas — e os shoppings lotam, o trânsito entope, os filhos pedem coisas caríssimas e ganham antes mesmo da noite feliz. Comprar, comprar, comprar. Você, meio sem grana, faz o que pode. Os outros, meio sem nada, você faz que não vê. Mas eles estão entre nós: crianças pedindo um lápis de presente, pedindo colchão de presente, sonhando com o primeiro iogurte de suas vidas. E a gente voando de um lado para o outro, sem tempo pra eles.

Isso tudo foi até ontem, quando dezembro acabou. Ao menos este dezembro insensato, ansioso, consumista, ateu, que dura 24 dias febris, em que todos correm, todos estão atrasados, todos têm compromissos inadiáveis. Uma amiga me escreveu no auge do estresse: “Pensar que o próximo será só daqui a um ano é a melhor parte da história”.

Antes de começar a contagem regressiva para o próximo, temos hoje. Temos este hiato, o dia 25. Um feriado, um domingo, uma trégua. As lojas estão todas, todinhas, fechadas. Sobrou alguma coisa da ceia para beliscar na geladeira. Você vai sentir sede de suco natural, de água gelada. Vai colocar música pra tocar, vai vestir uma camiseta limpa. Você não tem nada pra fazer, nenhum motivo pra tirar o carro da garagem, nenhuma razão para procurar vaga para estacionar. Hoje você vai andar a pé, no máximo de bicicleta. Vai falar mais pausadamente. Não vai ligar a TV, prometa. Nem sei por que abriu o jornal. Hoje é dia de caminhar devagar, de chinelo ou pés descalços. Dia de olhar bem fundo nos olhos do porteiro que está trabalhando, do motorista de ônibus que está trabalhando, e desejar a eles um feliz Natal pra valer. Com sentimento. Um sentimento que não seja medo nem angústia.

Paz.

É hoje o dia que nos restou pra isso. Um dia para sairmos de casa apenas para ir até alguém que nada possui e ofertar um pedaço de bolo, uma barra de chocolate, um travesseiro, um sabonete, uma bola, qualquer coisa que signifique uma verdadeira extravagância diante de tanta miséria. Terminou a histeria coletiva, terminou a festa, terminou a semana. É hoje, antes que tudo reinicie, que você poderá encontrar o verdadeiro espírito da coisa. Não deixe que ele escape.

Martha Medeiros

Natal é amor

Uma das coisas mais aflitivas para um colunista é escrever sobre o Natal. Por quê? Porque não há tanto assim a dizer sobre Natal, não é um assunto que estimule a imaginação, que permita desenvolver um novo enfoque a respeito, não é um acontecimento que surpreenda. Nada é menos surpreendente do que o Natal. É a repetição instituída, a paz louvada anualmente, a certeza de que o mundo pode explodir lá fora, mas o Natal estará a salvo, assim como o jingle bell, a árvore enfeitada com bolinhas, o peru, os presentes, a missa do galo e o ho-ho-ho do Papai Noel. Pode um colunista corromper essa felicidade? Pode, mas não deveria.

Martha Medeiros

Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.