Lygia Faguntes Telles

Cerca de 59 frases e pensamentos: Lygia Faguntes Telles

O menino então sorri e nem o inimigo mais feroz resistirá a esse sorriso de quem se oferece tão sem defesa.

Lygia Fagundes Telles
Verão no Aquário

Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só o fervor, mas uma certa dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas.

Lygia Fagundes Telles
A disciplina do amor. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Nota: Trecho do conto Da vocação.

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Ele deixou cair no cinzeiro o cigarro que se apagara.
– Uma vez, quando eu era menor ainda do que você, brincava com um espelhinho à beira de um poço da minha casa, eu morava numa fazenda meio selvagem. O poço estava seco e era bonito o reflexo do espelhinho correndo como uma lanterna pela parede escura, sabe como é, não? Mas de repente o espelho caiu e se espatifou lá no fundo. Fiquei desesperado, tinha vontade de me atirar lá dentro para ir buscar os cacos de meu espelho. Então alguém – acho que foi meu pai – levou-me pela mão e me consolou dizendo que não adiantava mais nada porque mesmo que eu juntasse um por um os cacos todos nunca mais o espelho seria como antes. Sabe, Virgínia, vejo Laura como aquele espelho despedaçado: a gente pode ir lá no fundo e colar os cacos, mas tudo então que ele vier a refletir, o céu, as árvores, as pessoas, tudo, tudo estará como ele próprio, partido em mil pedaços. Veja bem, triste não é o que possa vir a acontecer... A morte, por exemplo. Triste é o que está acontecendo neste instante. Ela tem a cabeça doente, o coração doente. E não há remédio. Só o sopro lá dentro é que continua perfeito como o espelho antes de cair no chão.

Lygia Fagundes Telles
Ciranda de Pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Mordo o último biscoito e respiro estimulada. Aí está onde eu queria chegar: milhares de coisas estão subentendidas. Nas entrelinhas. O lado omisso. Quero a verdade, M.N., meu amado, escuta, entenda isso, quero a verdade. E você sugere reticências. Omissões.

Lygia Fagundes Telles
As meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Faço filosofia. Ser ou estar. Não, não é ser ou não ser, essa já existe, não confundir com a minha que acabei de inventar agora. Originalíssima. Se eu sou, não estou, porque para que eu seja é preciso que eu não esteja. Mas não esteja onde? Muito boa pergunta; não esteja onde. Fora de mim, é lógico. Para que eu seja assim inteira (essencial e essência), é preciso que não esteja em outro lugar senão em mim.

Aprendi desde cedo que fazer higiene mental era não fazer nada por aqueles que despencam no abismo. Se despencou, paciência, a gente olha assim com o rabo do olho e segue em frente. Imaginava uma cratera negra dentro da qual os pecadores mergulhavam sem socorro. Contudo, não conseguia visualizar os corpos lá no fundo e isso me apaziguava. E quem sabe um ou outro podia se salvar no último instante, agarrado a uma pedra, a um arbusto?... Bois e homens podiam ser salvos porque o milagre fazia parte da higiene mental. Bastava merecer esse milagre.

Lygia Fagundes Telles
Os contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Nota: Trecho do conto O espartilho.

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Se é difícil carregar a solidão, mais difícil ainda é carregar uma companhia.

Lygia Fagundes Telles
Os contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Nota: Trecho do conto Eu era mudo e só.

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Confesso que não sei, até hoje não sei por que de repente, sem alterar a voz, comecei a falar com tamanha fúria que não consegui segurar as palavras que vieram com a força de um vômito.

Lygia Fagundes Telles
Os contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

Nota: Trecho do conto Uma branca sombra pálida.

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Eu me aproximo das pessoas como um ladrão que se aproxima de um cofre, os dedos limados, aguçados, para descobrir, tateantes, o segredo.

Me leia enquanto estou quente.

Lygia Fagundes Telles
LISPECTOR, Clarice. Entrevistas. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

Nota: Frase dita durante uma entrevista realizada pela escritora Clarice Lispector e publicada na obra "Entrevistas" (2007).

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Costurar as feridas e amar o inimigo que odiar faz mal ao fígado, isso sem falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinez imprevisível. Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares. Não chores que a vida é luta renhida.

Lygia Fagundes Telles
A Disciplina do Amor

Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca.
Cuspi a semente: assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir a semente resguardada lá no fundo como um feto.

Lygia Fagundes Telles
Verde lagarto amarelo

Por que não lhe disse antes? Apertá-lo demoradamente contra o meu peito e dizer. Não disse porque pensava que tinha pela frente a eternidade. Só me resta agora esperar que aconteça outra vez, vislumbro esse encontro – mas vou reconhecê-lo? E vou me reconhecer nos farrapos da memória do meu eu? Peço que me faça um sinal e responderei ao código secreto na mente e no silêncio dos navios que se comunicam quando se cruzam no mar.

Lygia Fagundes Telles
A disciplina do amor. São Paulo: Círculo do Livro, 1980.

É difícil separar a ficção da invenção, a fantasia da memória. Não há uma linha separando o que você viu do que você sonhou. A imaginação ocupa o espaço da memória.

Lygia Fagundes Telles

Nota: Trecho de entrevista ao jornal "O Povo", em 2007. (fonte)

Tinha falsa lúcidez dos loucos mais não chegaria a enlouquecer, falava em suicídio mas não chegaria a se matar.

Lygia Fagundes Telles
Verão no Aquário

O poeta dizia que era trezentos, trezentos e não sei quantos. Eu sou apenas duas: a verdadeira e a outra, tão calculista que às vezes me aborreço até a náusea. Me deixa em paz! peço e ela se põe a uma certa distância, me observando e sorrindo. Não nasceu comigo mas vai morrer comigo e nem na hora da morte permitirá que me descabele aos urros, não quero morrer, não quero! Até nessa hora ela vai me olhar de maxilares apertados e olho inimigo no auge da inimizade: “Você vai morrer sim senhora e sem fazer papel miserável, está ouvindo?” Lanço mão do meu último argumento, tenho ainda que escrever um livro tão maravilhoso... E as pessoas que me amam vão sofrer tanto! E ela, implacável: “Ora, querida, as pessoas estão se lixando. E o livro não ia ser tão maravilhoso assim”.
É bem capaz de exigir que eu morra como as santas.

Lygia Fagundes Telles
Um coração ardente. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Nota: Trecho do conto O dedo.

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Nunca o povo esteve tão longe de nós, não quer saber. E se souber ainda fica com raiva, o povo tem medo, ah! como o povo tem medo. A burguesia aí toda esplendorosa. Nunca os ricos foram tão ricos [...]. Resta a massa dos delinquentes urbanos. Dos neuróticos urbanos. E a meia-dúzia de intelectuais [...] Não sei explicar mas tenho mais nojo de intelectual do que de tira.

Lygia Fagundes Telles
As meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Uns lutam com o cimento armado. Com as leis. Outros, com os bisturis. Com as máquinas – tantas e tão variadas lutas. Eu luto com a palavra. É bom? É ruim? Não interessa, é a minha vocação.

Lygia Fagundes Telles
As meninas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

O escritor pode ser louco, mas não enlouquece o leitor, ao contrário, pode até desviá-lo da loucura. O escritor pode ser corrompido, mas não corrompe. Pode ser solitário e triste e ainda assim vai alimentar o sonho daquele que está na solidão.

Lygia Fagundes Telles

Nota: Trecho adaptado de entrevista ao jornal “O Globo”, em 2009.

Mas hoje minha face lúcida acordou antes da outra e está me vigiando com seu olho gelado. “Vamos – diz ela – nada de convulsões, sei que você é da família dos possessos, mas não escreva como uma possessa, fale em voz baixa, sem exageros, calmamente.”