Último dia na terra (Parte l) Gostaria... Thaylla Cavalcante

Último dia na terra (Parte l)

Gostaria de ser como Brás Cubas e escrever algumas singelas memórias póstumas, mas felizmente ou infelizmente ainda permaneço viva, podendo portanto, escrevê-las anteriormente à minha tão próxima morte.
Estou num bar. Minha taça, cheia pela metade, algumas marcas de batom nas bordas e algumas esperanças dissolvidas no álcool. Conheço todas essas pessoas à minha volta. Todos estranhos, nenhum realmente importante. Permaneço aqui, sozinha num recinto tão cheio de gente vazia, de si e do mundo. Alguns destes já tentaram se matar, outros, se matam todos os dias enquanto se afogam em bebidas e noitadas. Creio que pertença aos dois grupos. Transito entre eles sem permanência fixa em nenhum.
O balcão é empoeirado, por trás, uma garçonete loira com um decote imenso, acho que faz com que os clientes consumam mais, na esperança de poder vê-la por mais alguns minutos. Detestável a depravação moral a que homens se submetem por um rostinho ou um corpo bonito. Quanto a isso, nunca fiz nenhum dos dois estilos, sem rosto ou corpo bonito, cabelos desgrenhados, olhos vermelhos e rímel borrado. Era essa a minha diretriz de sempre para sempre.
A garçonete me serviu mais uma dose de vodka, a engoli enquanto minha garganta queimava, bati com o copo na mesa e caminhei até o terraço, ali não haviam muitas pessoas. Um casal que brigava sem motivo aparente e um homem alto com um cigarro na mão. "Posso pegar um?" Disse-lhe. Ele estendeu a mão me mostrando o maço, puxei um, levei a boca e ele o acendeu com um isqueiro azul. Não trocamos nenhuma palavra por um longo período de tempo. Eu olhava para o chão através do parapeito, pensava em tudo o que aconteceria caso me jogasse, finalmente cheguei à conclusão de que muita coisa não mudaria. Permaneci ali. "Está pensando em pular? Caso esteja, ao menos deixe-me sair de perto. Não gostaria de ser acusado de homicídio", foram suas exatas palavras. Eu ri, a hipótese de um suicídio nunca tinha me parecido engraçada, agora parecia. Creio que algumas pessoas possuem esse poder, nos fazer ver graça até na morte. Mas eu não pularia, ao menos não agora.
Eram 3:00 da manhã, muitas pessoas já tinham ido embora, estariam agora em suas camas quentinhas ou nos braços de outras pessoas aleatórias das quais elas nem lembrariam o nome pela manhã. Eu só continuava ali, fumando o décimo quinto cigarro, bebendo mais alguns goles da terceira garrafa de whisky, esperando uma ligação que não chegaria tão logo eu quisesse. Aquele homem permanecia ao meu lado, não sei bem o motivo, mas ele tinha um coração parecido com o meu, eu sabia, com toda a certeza que nunca tive. Ele também pensava em pular, também acabava com seu corpo ao tentar acabar com um sentimento que sabia que não terminaria. Ele também não se importava com a chuva fina que nos orvalhava a pele, e também ria de tudo isso. Parecíamos nos conhecer a muito, mas na verdade era muito, muito pouco.
Ele tinha uma barba fina cobrindo o rosto, olhos castanhos, e um cabelo longo que lhe caía sobre o rosto. Eu pensava que nunca havia visto ninguém tão bonito, e talvez ele realmente fosse, ou talvez eu apenas estivesse bêbada, o que era mais provável, claro.

Quando o dia amanheceu eu estava em minha cama, com os lençóis molhados em resposta às minhas roupas. Estava sozinha novamente, sem qualquer rastro da madrugada, a não ser por uma insistente dor de cabeça que relutava em me abandonar. Levantei, tomei um banho quente e troquei-me. Em cima da mesa um bilhete dizia "Obrigada por ter me dado o imenso prazer de te conhecer, de alguma forma fez com que valesse a pena." Era dele, eu sabia. Só não entendia muito bem o que queria dizer, e continuei assim por algum tempo.
Um dia depois, parti rumo ao bar das bebedeiras. Costumava não manter a periodicidade, ir a um, depois a outro. Sempre alterando a rota enérgica de meus drinks, mas essencialmente nesta noite, precisava voltar lá, vê-lo novamente, compartilhar mais algumas histórias, tristes ou não. Precisava loucamente de alguém que me entendesse, de alguém que sentisse o mesmo que eu. Cheguei no bar às 23:00, saí as 3:00, e nem sinal dele. A bebida não tinha o mesmo gosto, não me era consumida com a mesma voracidade, não possuia aquele sabor errante que tanto fazia bem. Quando o bar fechou, fui para casa um tanto quanto decepcionada. Senti falta dele, a primeira pessoa que conseguiu me entender em meses, anos, ou quem sabe uma vida inteira. E eu nem sabia seu nome...
A janela lateral sempre foi o meu refúgio. Agora mais do que nunca... As estrelas pareciam encher o quarto com um brilho tão angelical que me fazia planar. As três Marias sempre foi a minha constelação favorita, perdi horas e horas admirando. Estrelas são tão grandes, e ao mesmo tempo tão pequenas. Me faziam lembrar de como podemos ser vistos por diferentes pessoas em condições diversas.
Ele veio a mim como um astro. Emanando luz, enchendo a minha vida de brilho e cor, daquela cor. Estou aqui sentada, tomando um gole de whisky com a tristeza, minha velha conhecida. A encontro de tempos em tempos, conversamos por algumas horas diversas, trocamos lamentações, drinks e tragos de cigarro.

Thaylla Ferreira {Poesias sobre um amor inatingível}