Conseguisse eu não pensar ou pelo menos... Joaquim Silva

Conseguisse eu não pensar ou pelo menos absolver de mim a presença de quem amo. Dormir e não sonhar todas as noites com o teu abraço, com o teu rosto, com os teus olhos, com o teu perfume, com as tuas mãos entrelaçadas nas minhas, com o teu calor junto ao meu peito.
Pudesse eu acordar todas as manhãs sem sentir o amargo da solidão de sonhos não realizados, o vazio do frio de não puder-te beijar pela manhã.
Pudesse eu controlar os meus sentimentos e não ver-te mesmo antes dos meus olhos se abrirem. Não ver-te diante de mim, bela, doce, carinhosa, amiga, e eu correndo incansável na direcção dos teus braços. Pudesse eu resistir aos meus sentidos e não abrir os olhos e viver este sonho infindávelmente.
Pudesse eu... e os meus olhos não se cobririao da saudade que é este sal que corre pela face.
Pergunto se estamos juntos nalgum sítio, numa outra vida numa outra realidade. Tem de ser verdade de alguma forma, tem de existir num futuro próximo longínquo, ou está saudade já não existiria dentro de mim. Já seria pó e cinza e terra fértil e novos habitantes a cultivavam. Devo ter errado, muito, nalguma palavra, nalgum gesto, sei que o fiz de alguma forma, e quando o fiz foi sempre a tentar fazer o bem, mas tento manter os pés acentes e esperar o melhor. Pois até um relógio sem corda está certo duas vezes por dia.
Se vou adormecer amanha, então porque acordar?
Já nada faz sentido, sem ti falta a outra parte. O tempo, dizem ser o melhor remédio, cura tudo, mas não cura a saudade.
Pudesse eu não ter medo de dormir, para não voltar a acordar...