Um último adeus Havia D. Neide, numa... João Pedro França

Um último adeus
Havia D. Neide, numa manhã de domingo, acordado às pressas. Já havia perdido a hora de sair para a missa do padre Zezinho, que pregava na igreja a poucos quarteirões de sua casa. Rapidamente tomou um banho e como num piscar de olhos, estava em sua sala pronta para partir. Ela sempre havia se arrumado muito bem para ir à igreja, mas não por vaidade. Cheirosa como sempre, só usava perfumes fortes e de doce odor, perfumes que havia ganhado de sua filha, Isabel. Suas roupas sempre foram muito bem passadas e bonitas.
Ela era uma mulher um pouco conformista e orgulhosa por causa de sua formação muito religiosa. Tinha um pensar mais antigo e não suportava os tempos atuais.
Morava só. Seu marido, Olavo, já havia falecido deixando seu salário Almirante da Frota de Guerra da Marinha para ela e sua única filha. Filha está que, havia sido expulsa pela mãe de casa, por causa de uma escolha que fez em sua vida. O fato de preferir gostar de meninas a meninos.
Já na porta da igreja, já iniciada a celebração, parou na porta ao escutar de dentro de sua bolsa o toque de seu celular. Ao ver que era um número desconhecido resolveu atender, pois poderia ser algo grave:
-D. Neide! D. Neide! Sua filha Isabel... – mas a voz fraquejada foi cortada por Neide. Ela havia desligado, pois não suportava o fato de ter que ouvir as pessoas falando de sua filha. Assim, sem mais de longas, entrou na missa, já um pouco atrasada, e sentou – se. Padre Zezinho já havia começado sua pregação.
Com uma voz forte e grave começou a falar da misericórdia divina e o quanto Deus havia amado o mundo que nos deu seu filho único por nós. Falou também do quanto devíamos ter compaixão uns com outros e que deveríamos sempre perdoar as pessoas assim como Deus nos perdoa.
Ao final da missa, Neide ligou o celular, havia esquecido seu relógio em casa, pelo fato de seu atraso e correria. O celular notificou 12 ligações perdidas. Mas sem externar preocupação, guardou – o, e se despediu de seus amigos que na porta estavam e foi embora. Havia dito que não iria ficar para o grupo do círculo bíblico, pois relatara que sentia em seu peito durante a missa uma pequena dor.
Ao caminhar pela calçada de sua casa, deparou - se com uma menina. Jovem. Com olhos vermelhos, como se já chorasse durante dias e mais dias, e com a aparência abatida e sorriso entristecido.
A menina olhou para Neide e com muita educação, mas não deixando de manifestar seu estado emocional, falou com a voz um pouco trêmula:
- Olá D. Neide, sou Samanta, amiga de sua filha, Isabel.
Mas Neide não era nenhuma boba. Já imaginava que aquela menina não era apenas só amiga de sua Isabel, pois já havia recebido notícias delas antes, mas que tentava não ouvir ninguém falando sobre. No entanto, não falou nada com Samanta. Não obtendo resposta alguma, Samanta disse:
- Por favor D. Neide sua filha não está bem. Ela me pediu para que eu viesse procurá-la e que a levasse até ela. Me disse que precisa contar-lhe uma coisa, mas que nunca lhe havia tomado coragem, pelo fato de você não aceitar a opção que ela escolheu.
Neide replicou:
- Se ela quisesse falar comigo ela não havia saído de casa para ficar com outra menina. Nem tinha mandando outra pessoa vir me procurar para mandar recado por ela.
Samanta ficou mais abatida em saber que D. Neide ainda não aceitava o fato de sua filha gostar de uma menina, no caso ela. Mas mesmo assim Samanta não deixou de tentar mais uma vez:
- O fato de ela gostar ou não de outras meninas, não muda o fato de ela ser sua filha, que está passando por um momento de dificuldade. E que quer falar com você.
Mas Neide com um sorriso sarcástico no rosto respondeu:
- Nos momentos de dificuldade ela sabe me procurar, não é?! Lembro – me bem que minha irmã havia me dito que ela não estava conseguindo muito bem manter o aluguel altíssimo de seu apartamento no Bairro Alto. E minha irmã tentou me convencer a ajudar – lá com algumas despesas até ela se estabelecer.
Mas Samanta já não tinha mais argumentos, pois já havia previsto que Neide seria cabeça dura com ela. Então, enxugando as lágrimas dos olhos, levantou o rosto e olhou fixamente nos olhos de Neide e gritou:
- Onde está sua compaixão por sua filha? Em que momento da sua vida você irá perceber... – Mas quase que no mesmo instante foi interrompida por uma voz fraquejada, que quase não se ouviu pelo fato de Samanta estar gritando, e que vinha por de trás dela dizendo:
- Samanta, não perca a cabeça. Não grite com a mamãe assim. – falou a voz fraquejada, que saíra de dentro de um carro parado à beira da calçada.
D. Neide não demonstrou nenhum tipo de reação, mas seus olhos ficaram trêmulos de surpresa.
- Já chega! Vamos embora Samanta. Não quero trazer problemas para a mamãe. – Disse Isabel.
Neide fechou a cara novamente, como se o orgulho tomasse conta de seu corpo, ao mesmo tempo que não acreditava ver sua a filha ali lhe chamando de mamãe depois de tanto tempo. Também não podia mudar o modo de ver sua filha se relacionando com uma outra mulher. Samanta no entanto não iria deixar aquilo preso à garganta:
- Não entendo o fato de você, D. Neide, não gostar ver sua filha se relacionando com uma outra menina. Quando Isabel me contava sobre você, eu a via como uma grande mãe. Aquela que estava sempre na vida dela. Aquela que sempre estava na escola para saber seus desempenhos. Aquela que sempre levava a na igreja, onde ela me contava que era o lugar mais legal do mundo que você a levava. Digo mais, mesmo depois de ter deixado a sua casa, ela nunca havia deixado de ir a uma missa no domingo se quer. Mas acima de tudo ela dizia que... - Mas a conversa foi interrompida, no mesmo instante, por uma forte tosse de Isabel, que estava muito fraca devido ao câncer no seio.
Sua tosse logo após a primeira foi seguida de sangue. A toalhinha que estava em sua mão já estava bastante suja e tanto Samanta como Isabel, já sabiam que não havia mais jeito para o câncer, já estava chegando sua hora. Neide vendo aquilo tremeu. Sentiu um forte calafrio de medo dominar seu corpo. Seu rosto já não demonstrava raiva, mas seu orgulho não a deixava se aproximar de sua filha. Ela achava que sua filha deveria ser como ela. Ter um marido, e uma família correta perante a Deus. Como são as famílias tradicionais. Por isso ela não conseguia abrir mão de sua filha, a quem ela criou, ser de um jeito que ela ache errado. Neide havia chegado a pensar em que momento de sua vida ela havia errado com sua filha para ela gostar de outra menina.
Mas Samanta logo assim que viu Isabel tossir correu para abraçar – lá e dar - lhe um beijo em sua testa. Ela via que para Isabel já estava chegando a hora e que mais nada poderia ajudar – lá. Mas mesmo assim resolveu ficar ali com ela por perto de sua mãe, afim de que mesmo com todas as brigas e desavenças, elas pudessem se falar e se despedirem uma das outras. Isabel já não tinha mais forças para falar. Pediu para que Samanta abrisse a porta do carro e a segurasse. Neide vendo aquilo disse com orgulho:
- Se tivesse sido que nem eu, correta, não teria acontecido isso com você. Você teria se casado com um homem e hoje em dia não estaria passando pelo o que está passando agora. Mas você se deixou levar pelas perdições do nosso mundo.
Mas Isabel do mesmo instante reuniu suas últimas forças e disse bem baixinho:
- Se eu tivesse sido como você poderia até ser que eu tivesse descoberto minha doença um pouco antes, afinal você tinha uma tamanha preocupação comigo, qualquer coisa que eu tivesse já estávamos nós duas do no hospital. Poderia até ter tido condições de me tratar antes da doença me desarmar. Mas se você não tivesse sido você, e tivesse me aceitado como sou, talvez tivesse sido melhor ainda, pois assim teríamos a Samanta para nos ajudar a vencer toda essa dificuldade também, pois eu a amo e isso iria me ajudar bastante, mas sozinha nós não conseguiríamos. Não com o fato de você não me aceitar como sou.
Agora sim, Neide já não conseguira impedir mais que fosse tomada pelo o que uma mãe sente pelo seu filho em momentos abstrusos, amor. Afinal ela já havia escutado as palavras de padre Zezinho sobre a compaixão uns com os outros e que deveríamos perdoar para sermos perdoados. Neide sabia muito bem a dor que tivera sentido durante e depois da missa em seu peito. Naquele instante já não via sua filha como perdida no mundo, pois seu coração havia amolecido pelo sofrimento de Isabel.
Como criança correndo para abraçar sua mãe que esteve fora o dia todo trabalhando, assim foi que Neide correu para sua filha. Abraçou - a lhe tão forte que Isabel havia lhe tossiu sangue em suas roupas, mas ela nem ligara para aquilo. Só queria dar o último abraço em sua filha, afinal ela estava partindo. Quando ela sentiu a vontade de novamente dizer o que estava entalado em sua garganta a tanto tempo, já era tarde. Sua filha havia morrido em seus braços e com um sorriso no rosto, um sorriso que a fez se afogar em um dilúvio de lágrimas. Mas fez Neide sentir uma das piores dores no peito que ela tivesse tido. Samanta amparou Neide com um abraço, sem que ela soltasse sua filha. Deixou - se levar pelo acolhimento de Samanta, com quem ela já não tinha mais preconceito, mas que por ela já sentia o agradecimento enorme por ter passado tudo o que ela, como mãe, não havia passado com sua Isabel. E Neide, que novamente abraçou forte Isabel, que já havia perdido o sorriso no rosto, disse com a voz um pouco rouca por causa de seu choro:
- Você morreu em meus braços e eu nem tive a oportunidade de chamá-la novamente de “minha filha”. Antes eu tivesse pedido a Deus que me mostrasse o que minha escolha iria resultar. Tivesse pedido a Ele uma cabeça mais compreensiva. Aquela que nunca mais tive a oportunidade ver e que ao menos antes de morrer pude pedir perdão. Aquela que eu não tive a oportunidade de dizer um adeus...