Coleção pessoal de SilvioFagno

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⁠Gestos Nobres —

Quais gestos traduzem melhor
o amor?

Minha mãe costuma fazer tudo por nós
aqui em casa:
O essencial;
O necessário;
O exagerado. — progressivamente
(que eu me lembre), sempre
foi assim.

Dizemos: "não é preciso tudo isso,
mãe! — acabará adoecendo."

"É o certo: se eu não o fizer é que
adoeço." — responde-nos.

Na infância e na adolescência,
naturalmente, não percebemos tais
gestos nobres (muitas vezes
sacrificantes), de amor,
vindos dos nossos pais, nossos avós.

A Luz Maior veio-me depois que eu
me tornei pai, tornando-a vó.

E é aí que está a magia:
Num processo, aparentemente
natural, de renovação do espírito humano, dando-lhes a sabedoria infantil de,
outra vez, tornarem-se puros,
dotados de mais cuidados
e mais afeto e mais amor,
"Deus" — com ternura — (como para as
crianças e para os animais), olha
muito mais para os avós.

⁠Contra o Desespero —

⁠Dizer,
como uma confissão,
que eu já sei que essa pequena
chama de ânimo e esperança
logo se apagará, e assim
eu terei de, mais
uma vez,
buscar algo para tentar inflamá-la
contra o desespero,
é só uma parte da lucidez sobre
a realidade. — minha realidade.

A outra parte, dentre tantas outras,
e o que, constantemente, em mim falta,
é suportar essa realidade sem alarde,
com alguma decência — íntegro.

Os ⁠Meus Nove Anos —

O que aqueles anos me traziam?
Bem,
eram dias e tardes e, muitas vezes, noites preenchidos por brincadeiras.

Evidentemente
havia horários para outras coisas:
uma coisa ou outra em casa,
escola, igreja.
Mas a maior parte do tempo era gasta mesmo com brincadeiras: jogo de botão, futebol na rua, pega ladrão... e, em especial, uma brincadeira com carrinhos e bonecos, em que revivíamos personagens de uma novela.

Eram os meus nove anos e, quando se
é criança, naturalmente, esquece-se
de se observar sendo.
Fantasiamos outras idades:
a juventude, a vida adulta, e só assim podemos, verdadeiramente ser
e estar criança.

Nós, adultos, emburrecemos: perdemos a capacidade legítima de sonhar, de divertir-se verdadeiramente.

O que aqueles anos me traziam?
Bem,
traziam-me a mim.

⁠Gente Infeliz —

⁠Julgar que alguém é ruim porque
é infeliz, é uma enorme
crueldade.

Pois parte da premissa de que se conhece as causas, os motivos e as circunstâncias do íntimo particular do sofrimento do outro, quando, na verdade,
na grande maioria dos
casos,
vê-se, quase sempre, somente a
superfície do problema.
Contudo,
ainda assim, ignora, desdenha
e condena-o mau.

⁠As Estranhezas das Pessoas —

As particularidades, as peculiaridades
— as estranhezas das pessoas —
soam, quase sempre, como
um convite ao confronto,
ao embate — à guerra.

Quando, na verdade dali (por essência
e poesia), deveriam nascer flores,
erguer-se jardins.

A verdade das coisas da Vida,
antes de ser boa ou má
(sendo a essência do ser),
tem grande força e deve
prevalecer.

⁠Desperdiçados —

Eu posso sentir...
sim,
pela janela, aqui do
alto,
de olhos fechados,
com um dos braços para
fora,
tentando achar os tímidos
pingos de chuva,
eu posso sentir os dias frios
sendo desperdiçados.

É como se esses dias
tivessem uma quantidade
limite em minha vida
(e claro, tem),
e esse limite estivesse
por se esgotar.
Eu sinto,
tristemente eu sinto.

Eu sinto como uma perda
irreparável estar triste e
desanimado e
solitário
nestes dias cinza
de chuva e
frio que,
antes,
eu amava estar.

Hoje — tarde — dói-me tanto
assisti-los (inerte),
morrendo.

Eu sempre me dei bem
com a solidão,
até me sentir realmente
só.

⁠Estranha Culpa —

Cedo:
é no primeiro abrir de olhos
que eu sinto a maior das angústias.
Tem sido assim: cedo.

O dia amanhece, e eu continuo turvo,
sombrio, acuado, com medo de
sair de baixo do cobertor.
Que agonia, que angústia essa sensação
de vazio, de abandono, de desperdício...
este peso, esta culpa, meu Deus! — esta estranha culpa.

Mas os deuses ou o diabo (não sei),
parecem se divertir com
tudo isso.

Estamos no inverno, mas hoje
é um dia de sol e, enquanto
eu ia até o carro,
deparei-me com um beija-flor
morto, próximo
ao meio-fio.
Já na rua, ao virar à direita, espantei-me
com um cão desfigurado, arrastando
as patas traseiras, tentando (com
todo esforço do mundo,
coitado), alcançar a sombra
debaixo de um carro.

Não sei o que aconteceu,
mas a culpa está
em mim;
O perturbador silêncio do pequeno corpo
do beija-flor, ali no chão — estático —
está em mim;
A dor angustiante daquele cão-quebrado,
arrastando-se miseravelmente,
está em mim. — por quê?

Velhice —

⁠Depois de um tempo
(quanto tempo?),
a gente,
que fazia parte da coisa,
agora vê a coisa acontecer
sem a gente.

(Por quanto tempo
mais?).

⁠Coitado do Meu Coração —

O trágico é que, para continuar, a gente
precisa matar tanta coisa boa que
sempre nos deu vida. — que desperdício!

Mas no dia em que der certo
(se algum dia der certo),
eu estarei pronto para ser
exatamente o que sou.

Por enquanto,
a gente olha, chora e se afasta,
tentando arrumar os pedaços
como puder.

(Coitado do meu coração:
Está sem entender nada
há séculos!).

A Arte Fica Quando o Amor Fracassa —

⁠Um lado ruim, dentre tantos, dos amores não correspondidos, é quantidade de coisas
legais que, na desilusão, eles estragam.

É um gesto que morre;
É um gosto que morre;
Uma mania que morre.
E morre um perfume;
Morre uma data...
Uma canção.

E morre o esforço do próximo e o próximo esforço da gente.

Depois que, mais uma vez, o Grande Amor falhou destruindo-me,
e eu me vi só com tudo que pesa
do que pesa da maldade dos
amores não correspondidos,
eu decidi:
Uma outra história só fará sentido se tiver
a graça, a leveza, a essência... a poesia
do sentimento do primeiro amor.

Na tentativa de justificar a vida,
a arte fica quando o
amor fracassa.

⁠Vitórias Diárias —

Há, pelo menos,
uma pequena vitória acontecendo
para cada um de nós todos
os dias.
Embora essa não seja o suficiente,
as outras vitórias, os sonhos — a vida —
só acontece a partir dessas
pequenas vitórias
diárias.

⁠Normalidade —

E,
aos poucos dizem:
"a vida voltará ao normal".

Ouço, vejo minha vizinhança e suas festas
de aniversário, de fins de semana;
Meu bairro e seus eventos de gente e
gritos e sons e barulhos;
Minha cidade e suas cidades irmãs
vizinhas promovendo, movimentando
a roda (da vida?), da "normalidade";
Meu estado e seus irmãos de fronteiras
e Região, nutrindo suas cidades de
bairros e ruas e casas e gente...
Enfim,
meu país e sua gente e tudo que lhe
falta... eternamente (eufóricos):
" a vida voltará ao normal".
Mas qual normal?

Confesso: me assusto!
Mas o que eu sei, afinal?! — nunca cruzei
(para fora), o meio-fio do medo da calçada
de minha casa.
Eles — quase todos eles — de algum modo, cruzaram fronteiras, atravessaram o país, têm algum diploma ou curso técnico ou carregam, na ponta da língua (satisfeitos), as expressões do momento.

Eu: o medo de antes; o medo
de agora... de sempre.
E assim, aos poucos dizem
(entusiasmados?):
"a vida voltará ao normal".

E eu continuo com medo, estranho, alheio...
estrangeiro a tudo.

⁠Estamos Sozinhos —

Àquela altura,
em meio a uma enorme angústia,
eu já estava colocando a responsabilidade
daquele meu desespero nos deuses
ou no diabo.

Afinal,
se algum deles havia me dado a clareza de
que ela não era a pessoa ideal para mim, deveria, ao menos (por justiça),
dar-me a liberdade de
esquecê-la.

Mas é nessa hora que a gente
entende que está, de fato,
sozinho.

⁠Acidental —

A poesia nasce da mistura de luz
e escuridão
e de tudo que é extremo, avesso
e,
naturalmente funde, une...
completa-se. — tal como a essência
da vida, das coisas da Vida.

Por não saber explicar, muito bem,
a luz,
é justo dizer que minha Poesia é
acidental. — eu fico esperando um tropeço
de algum anjo torto (caído?), então
reverter-se a clarão, a farol...
talvez a Deus.

⁠O Peso Maior –

São tempos de abandonos:
alguns cruéis, outros
necessários.
Alguns outros cruéis e
necessários.

É um mundo dividido
entre os que ferem e
os que são
feridos.

Entre os que ferem,
há também
feridos.
Entre os feridos,
muitos que
ferem.

Não está fácil para
ninguém, mas os bons
— sobretudo os bons —
carregam o peso maior
da vida.

⁠Sorriso Sincero e Genuíno —

Quando um dia (se um
dia),
porventura,
eu deixar escapar no rosto
um meio sorriso sincero e
genuíno de felicidade (felicidade
de alma cândida),
eu saberei, tão logo,
tão certo, exatamente, a quem
(não) contar o
motivo.

O ⁠Chão da Estação —

Olha só:
parece-me que as pessoas estão
indo muito bem sem você,
garoto.
(Que já não é mais tão
garoto assim).

Ela parecia importar-se com você
há algum tempo. — com o que
você pensava e falava
e sentia —
mas agora... agora não!

Ela parecia querer estar com você,
dividir coisas com você: risos,
gostos e sons.
Talvez anos, talvez sonhos — talvez a vida.

Mas olha só agora:
Ela veio e não disse que vinha;
Foi sem dizer que ia.
E você foi só o chão da estação
pela qual ela passou (acompanhada,
sorridente, distraída),
sem a mínima vontade
de ficar.

⁠Olhos de Tempestade —

⁠Direi sempre que é por algum
outro motivo qualquer:

Mal-estar crônico;
falta de grana;
tédio;
a alta do dólar;
o horóscopo do dia;
o cabelo num dia ruim;
muito quente, muito frio...

Mas nunca, nunca que é por
conta de um coração
partido.

⁠De Coração Menino —

⁠Ouvi dizer que,
lá pras bandas do sertão
da Bahia,
um Poeta (de coração
menino),
explodiu o peito de tanto
sentimento reprimido.

Final de Ano —

⁠Fiquemos atentos, tomemos
cuidados.

Não sei o quanto há de superstição;
O quanto há de medo, de verdade,
de maldição.

Mas sei que há a caminho um fim
que se aproxima. — o fim de um
ciclo — onde um Deus vai precisar
prestar contas.

Fiquemos atentos, tomemos
cuidados.

Sorte!