Coleção pessoal de AilaSampaio

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⁠Viver coisas boas e não contá-las é como se elas não tivessem realmente acontecido.

Aíla Sampaio

Somos duas retas que finalmente se encontraram no infinito.

Descalça-me desses sapatos altos e me põe de volta no chão. Quero um amor consistente feito tronco de baobá, sem oscilação de nuvens e sem risco de ser levado pelo vento.

Chega-se a uma fase da vida em que os subtextos e as entrelinhas das situações saltam aos olhos, em que não se tem mais tempo para esperar indefinidamente, nem disposição para ficar em standy by. Nada de obscuridade ou indefinição; nada de joguinhos ou aventuras arriscadas demais. Poucas concessões e inúmeras restrições; muita intolerância a descasos, à falta de consideração e afins. E a certeza das certezas como um mantra: se não se pode ser prioridade, se não se pode estar em primeiro plano, que não se esteja em nenhuma posição. Antes a solidão bem resolvida ao desassossego de uma relação em descompasso de vontades e sentimentos.

Traga-me bons ventos, meu amor, porque tempestades já me sobram. Dê-me olhos generosos, que não encubram as minhas rugas, mas disfarcem as minhas cicatrizes; que não busquem a minha perfeição, mas compreendam os meus defeitos. Traga-me sonhos, meu amor, mas com uma nesga de realidade na sala de espera pra que eu não tropece nas nuvens antes de chegar ao céu.

Nunca mais era um lugar muito longe para onde ela jamais se permitiria ir.

Ela estava ausente. Nada a presentificava onde deveria estar. Nenhum fio de cabelo se movia, nenhuma pálpebra batia, nenhuma lágrima caía. Estava ausente da rua, do trabalho e até do mar que continuava a quebrar nela as suas ondas, como a dizê-la que tudo passaria. Estava fora do seu corpo, a embalagem que vestia a sua ausência e fazia os outros acreditarem que ela ainda existia e andava e comia e vivia, quando apenas sobrevivia a si mesma!

Eles se olhavam sempre como na primeira vez, sem se importarem com as ameaças do vento que dizia levar muitos sonhos misturados à poeira. Olhavam-se a despeito de todas as intempéries e desesperanças e plantavam na alma do outro a certeza de que nunca se separariam. HAVIA AMOR, por isso venceram os tornados e os redemoinhos; por isso atravessaram o deserto sem jamais sentirem sede ou soltarem as suas mãos. HAVIA AMOR e nenhuma justificativa mais precisaria ser dada pra explicar tão improvável sobrevivência!

Era ele, mas quase não era. Ou não era mesmo. As pessoas íntimas quando passam a estranhas adquirem um novo formato aos nossos olhos. O cabelo estava menos liso, ou era a camisa muito largada. O olhar e o aceno da mesa à curta distância tinham um quê nervoso, uma falsa naturalidade que não lhe era comum (ou já era eu não percebia), e deixavam claro que não nos levantaríamos dos nossos lugares para um cumprimento mais próximo. Não que temêssemos uma recaída, mas porque não sabíamos lidar com tamanho esfacelamento da intimidade; nós, que já dormíramos e acordáramos juntos durante tantos anos, não sabíamos ser senão desconhecidos. Ambos tentamos uma alegria, mas ela veio descalça e tão desamparada que não convenceu nem a nós mesmos. Estávamos demais um pro outro ali, ou de menos. Apressei-me em ir embora e saí com um sorriso congelado, desconcertada como uma criança diante de um presente que não fora o pedido, as mãos crispadas a amassar o passado e um pensamento cruel que imaginei passar também pela cabeça dele: como se tornam desinteressantes as pessoas que deixamos de amar!

O amor às vezes se espatifa no asfalto, se afoga na banheira, vira um caco de vidro debaixo do pé. O amor às vezes redime, noutras condena. É a nossa salvação e a nossa perdição, mais arame farpado que nuvem de algodão, mas quem há de renegá-lo quando ele chega abrindo todas as cortinas e acendendo todas as luzes como se a vida fosse uma eterna festa?

Há em ti uma paisagem suspensa, uma escuridão qualquer entre a realidade e o sonho. Meu olhar te atravessa e desnuda, não teme o confronto, parece que sabe os caminhos que deve percorrer e as esquinas que deve evitar.

Encontramo-nos, quando o outono vestia a tarde com seus ventos e a idade já riscava os nossos rostos. Não havia espaço para dúvidas nem tempo para esperas. Ou segurávamos imediatamente os remos para chegarmos à margem, ou acabaríamos por naufragar na incerteza do depois.

Enquanto nos recolhemos silenciosos, às vezes até feridos e sem querer aceitar a realidade que nos contraria, a vida gesta novos episódios para a nossa história. Nenhum personagem sai à toa; nenhum entra por acaso. Tudo acontece de acordo com o enredo do Criador e o arbítrio de cada um. A nossa vida é consequência das nossas escolhas e invariavelmente pagamos um preço pelo acerto ou pelo erro. Só recebemos as respostas para os porquês do que nos ocorre, se aceitarmos que tudo é como tem que ser ou como fizemos com que fosse. Felicidade é pra quem acredita, pra quem faz por merecer. O Amor é somente para os que são corajosos; os fracos não fazem jus ao paraíso. São essas certezas advindas dos sinais que só os corações destemidos entendem que me fazem agradecer e dizer benditas e bem-vindas as boas surpresas do destino!

O tempo me puxa pelos cabelos. Avia-te, amor, ou já me encontrarás acostumada à solidão e talvez eu não queira mais viver sem a companhia dela. O vento me arrasta pela mão... Não deixa que ele me leve, amor; posso habituar-me ao abraço do efêmero e ressuscitar minha alma cigana!

Quando tirarem o chão de debaixo dos teus pés, olha pra cima e voa. Deixa o abismo pra quem quis provocar a tua queda!

Tu és palavra que se pronuncia no escuro,
um nome por detrás dos muros da memória,
aprisionando o presente no passado.
E eu,
rio em cheia a procurar um córrego
na claridade do dia.

A música parou antes do fim da festa. Ela ficou estática no meio do salão vazio, perdida no compasso do silêncio, sem ponto de partida nem de chegada, sem armas no meio da guerra. Restava-lhe escutar os passos da solidão que avinagrava as lembranças boas com a acidez da separação. Sabia que só poderia ser daquele jeito e mergulhava num abismo irreversível de descrença naquilo que um dia acreditou. Não havia remédio; nada mais remendaria aquela taça quebrada, então precisava não ser, não sentir, até que a vida a tirasse pra dançar outra vez.

A vida é um permanente ir-e-vir. Uma estação de onde os trens embarcam e desembarcam em curtos espaços de tempo. É nesse ínfimo intervalo entre a partida e a chegada que algumas pessoas saem da nossa história, enquanto outras entram com a sua meta determinada. Temos a pretensão de impor as nossas vontades e deixamos de entender que as despedidas, como os encontros, são etapas imprescindíveis à abertura e ao fechamento dos ciclos por que temos que passar.

Entre as perdas e os ganhos há uma nesga de sol para enxergarmos o que realmente vale a pena. Se nos alongarmos no luto das perdas, passará despercebido o fio de luz que aponta o novo caminho a seguir. Enquanto não deixarmos no passado o que não pode mais ser, impediremos o futuro de se fazer presente e colocaremos em risco, talvez, a nossa verdadeira felicidade.

Todas as coisas têm o seu prazo de validade, é necessário permitir que vá o que tem que ir para que o novo chegue e diga a que veio. Assim será sempre até que entendamos ser a vida um jogo cujas peças só mudam de lugar enquanto não encontram o encaixe perfeito, por isso não adianta insistir em mantê-las aonde queremos, pois pode não ser esse o lugar dela... e, enquanto ela não sair, não encontraremos aquela que é realmente a que preencherá a lacuna.

Arrisco meus olhos no cinza-escarlate do crepúsculo para que a tua lembrança arda até consumir-se. Preciso queimar-te nas brasas do esquecimento antes que amanheça e a saudade acorde. Quem sabe a memória desvista-se da insensatez da paixão e, por fim, jogue as tuas cinzas ao vento.

Não desperdice o espetáculo da vida, pois ele não tem reprise!