Cartas de Amor para uma Pessoa Especial

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O Fantasma da Ex

Dificilmente você namora ou está enrolado com uma pessoa 0km. Seu grande amor provavelmente já teve um outro grande amor antes de você, assim como você tem alguma quilometragem percorrida também. Normal. O problema é quando o ex do seu amor não ficou no passado: ainda ronda o presente.

Você achava que ele estava morto e enterrado, mas que nada, o fantasma ainda assombra. Manda e-mails pro seu amor, telefona de vez em quando, surge nos mesmos lugares em que vocês estão. Uma praga. Vocês construíram uma relação supersólida, está tudo indo mais do que bem, não há motivo para desconfiança ou insegurança. Mas até quando? O ser humano é saudosista por natureza. De repente, num momento de carência, você pode não estar por perto e o seu amor se deixar levar por uma sessão nostalgia. Quem garante que não?

Ninguém garante nada nesta vida. Mas não vejo muita razão para alguém se preocupar demasiadamente com os ex. Eles já tiveram sua vez. Por alguma razão, não deu certo. Eu sei, eu sei, isso não quer dizer absolutamente nada, os dois podem ter continuado a se amar mesmo assim, eles podem ter deixado arestas por apontar, eles podem ter coisas entaladas na garganta para dizer um ao outro. Brrrrr. Assustador. Mas também é muito provável que, se eles tentarem de novo, vão esbarrar nos mesmos problemas que os fizeram separar. Ex é prato requentado. Quase um parente.

Eu não tenho fobia com ex, ao menos não com uma ex que tenha sido bem vivida, bem curtida. Fico mais apreensiva em relação àquelas que podem vir a ser casos passageiros, aventurazinhas bobas, mas que podem surpreender. Não temo fantasmas, temo gente bem viva, bem acordada, oferecendo novidades, fantasias. Ex é um direito adquirido. Chegou antes. Tem privilégios. Merece respeito. E se seu grande amor cair nessa armadilha, terminar com você e voltar para o passado, relaxe, não se apavore. Será sua vez de assombrar. A ex agora é você.

Martha Medeiros
Crônica "O Fantasma da Ex", 2004.

Nota: Texto originalmente publicado na coluna de Martha Medeiros, no website Almas Gêmeas, a 2 de agosto de 2004.

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A sorte do amor que teve

Um dia você conhece alguém e se dedica imensamente a essa pessoa...
Você entrega-se à ela com toda alma e coração.
Na verdade, desde então não existe um único pensamento seu em que esta pessoa não apareça.
Você à ama sobremaneira, e chega mesmo a esquecer de si, para cuidar unicamente dela,
até que um belo dia teu mundo desaba e você percebe
cruelmente
que o sentimento que você nutria era só seu,
que não havia nada além daquele teu imenso amor por ela.
Neste dia, não te desaponte, não entristeça.
Olhe para os céus e agradeça por ter conhecido a sublime dádiva do amor,
mesmo que apenas você tenha realmente amado.
E por ter sido real e verdadeiro o teu amor
inspire-se, e cante para sempre os momentos felizes
da sorte do amor que teve...

Tua caminhada ainda não terminou.
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras
e do teu silêncio.

Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.

É certo que irás encontrar situações
tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.

Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.

Não faças do amanhã
o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás,
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te.

Desconhecido

Nota: A autoria do texto é muitas vezes atribuída a Charles Chaplin.

Você pode ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,mas não se esqueça de que sua vida é a maior empresa do mundo. E você pode evitar que ela vá a falência. Há muitas pessoas que precisam, admiram e torcem por você.

Gostaria que você sempre se lembrasse de que ser feliz não é ter um céu sem tempestade, caminhos sem acidentes, trabalhos sem fadigas, relacionamentos sem desilusões.

Ser feliz é encontrar força no perdão, esperança nas batalhas, segurança no palco do medo, amor nos desencontros.

Ser feliz não é apenas valorizar o sorriso, mas refletir sobre a tristeza. Não é apenas comemorar o sucesso, mas aprender lições nos fracassos. Não é apenas ter júbilo nos aplausos, mas encontrar alegria no anonimato.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Ser feliz é deixar viver a criança livre, alegre e simples que mora dentro de cada um de nós. É ter maturidade para falar “eu errei”. É ter ousadia para dizer “me perdoe”. É ter sensibilidade para expressar “eu preciso de você”. É ter capacidade de dizer “eu te amo”. É ter humildade da receptividade.

Desejo que a vida se torne um canteiro de oportunidades para você ser feliz. E, quando você errar o caminho, recomece. Pois assim você descobrirá que ser feliz não é ter uma vida perfeita. Mas usar as lágrimas para irrigar a tolerância. Usar as perdas para refinar a paciência. Usar as falhas para lapidar o prazer. Usar os obstáculos para abrir as janelas da inteligência.

Jamais desista de si mesmo.
Jamais desista das pessoas que você ama.
Jamais desista de ser feliz, pois a vida é um espetáculo imperdível, ainda que se apresentem dezenas de fatores a demonstrarem o contrário.

Augusto Cury

Nota: Trecho adaptado do livro "Dez leis para ser feliz", de Augusto Cury.

SER PESSOA: PROCESSO DE DEVOLUÇÃO

'O desafio de ser pessoa'. O termo 'pessoa' sempre foi muito usado, principalmente pelos gregos. 'Pessoa', no contexto grego, significa a máscara que o ator usava para interpretar no teatro.

Eu tenho que ser eu. Uma pessoa só pode ser pessoa, se ela é dona de si. Nós temos que tomar posse do que somos. Quantas coisas você possui e ainda não tomou posse? O amor é a capacidade de descobrir no outro o que ele ainda não viu que tem. É como se você tivesse uma grande propriedade e não tivesse a capacidade de andar por ela para demarcá-la, e não a conhece na totalidade. Mas aos poucos vai sendo dono daquilo que já é seu.

Ser pessoa é ser dono de você mesmo, e saber lidar com seu jeito de ser, de amar, de sentir, de pensar, de ter suas limitações e saber o que você pode. Quantas vezes você se dispôs a ser o que não era, dizendo 'sim' onde era para dizer 'não'? Você não teve consciência do que não podia. É o que Jesus sempre fez com as pessoas. Fazendo-as tomarem posse do próprio território, de si mesmas. 'Eu sou dono de mim, e não abro mão'.

Quem é o 'prefeito' de sua 'cidade'? Tenha coragem de dizer aos inimigos: 'Aqui nesta cidade tem prefeito (eu), e aqui não tem lugar para os bandidos. Eu não abro mão do meu território'. E é aqui que Deus trabalha em nós para celebrar a Eucaristia, é para Deus que nos entregamos de novo. Eu sou pessoa, e me recebo de Deus o tempo todo. E Ele diz: "Cuide do que você é. Você não tem o direito de deixar as pessoas lhe roubar". E tem pessoas que te 'devolvem'. A experiência com Deus sempre diz: "Eu lhe devolvo".

Não tenha preguiça de conhecer seu 'território' e saber quem você é realmente. O total desconhecimento de si, não pode acontecer. A pessoa que não é 'pessoa', não tem assunto e sabe tudo o que acontece na vida do outro, mas não sabe de si mesma.

As pessoas que vivem preocupadas com as novelas da vida, se desgastam com pessoas que nem conhecem. Não é fácil compreender o território humano. Se investigar e conhecer o 'porquê' de algumas reações, o 'porquê' aquela raiva foi tão grande naquela hora, o 'porquê' eu explodi com aquela pessoa... É descobrir o 'porque' do afeto que tenho dentro de mim. Você deixa de ser explosiva demais quando toma posse do que é. Tudo isso porque você está em processo de construção. Deveríamos estar com placas dizendo: 'Estamos em obra, cuidado!' É o seu processo de 'feitura' de ser pessoa.

'Não tenha preguiça de conhecer seu ‘território’ e saber quem você é realmente'

Enquanto você viver haverá partes deste 'território' para conhecer. Tantas coisas nos foram entregues, mas se elas não vêm à tona, e nem as investigarmos, tudo o que temos dentro de nós fica sem uso. Quanta coisa preciosa você tem dentro de você e não sabe por quê fica só na superficialidade do conhecimento de si? Quando é que você sabe que uma pessoa se ama? Você só sabe que ela se ama quando ela se cuida, quando tem disciplina.

Que você não morra com seus valores ‘engavetados’, pois Deus lhe dá talentos para que você os use, e não para deixar guardado.

'Eu sou um dom de Deus'. Todos os dias há alguma coisa para você ir atrás e descobrir. Você se recebe de Deus, Ele que me deu esta obra todos os dias. Temos que ser bom naquilo que a gente faz para nos colocarmos à serviço dos que necessitam. Uma pessoa só é pessoa quando se disponibiliza aos outros. Aquilo que recebo de Deus coloco à disposição dos outros. E nisso temos a integração de uma personalidade saudável.

Ser pessoa não é só contemplar o que sou e tenho de melhor, mas ser pessoa é descobrir e cultivar o que tenho de melhor para que outros sejam beneficiados. Como Jesus fazia o tempo todo em sua capacidade de se doar e ensinar, é preciso se doar também. É necessário tomar cuidado para outra pessoa não tomar posse do que você é, pois a partir daí você não terá mais domínio sobre o que é seu. Se não sou capaz de tomar conta de mim, perco meus talentos e não me possuo mais. Quantas vezes você foi machucado nesta vida e pessoas lhe roubaram? Quando não me possuo, tenho dificuldade de ser para o outro, e corro o risco de não ser o que devo ser.

Estabeleça o seu limite. Seja firme!

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno — não concebo bem o quê —,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

(Heterônimo de Fernando Pessoa)

Álvaro de Campos
Pessoa, F. Poemas Escolhidos de Álvaro de Campos. Lisboa: Assírio & Alvim. 2013

II - O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro
PESSOA, F. O Guardador de Rebanhos, In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática. 1946 (10ª ed. 1993). p. 24
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Como a noite é longa !

Como a noite é longa !
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p'r'ao pé de mim...

Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.

Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido !
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...

Que é feito de tudo ?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,


Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Horizonte

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
Splendia sobre sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade.

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

...

Se têm a verdade, guardem-a!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Horóscopo de mulher

O carácter é um pouco egoísta, independente, teimoso e autoritário (sobretudo para os inferiores sociais), se bem que estas qualidades sejam compensadas por qualidades sociais intensas e efusivas. Há uma acentuada ambição, sobretudo social, uma forte intuição das coisas práticas, e um grande poder de dominar, uma grande força de vontade e tenacidade. Isto apesar de ser fácil de zangar, impulsiva, tendente a ir até ao exagero em tudo, tanto que muitas vezes terá de se arrepender de actos impulsivos, cujas consequências nem sempre serão agradáveis. A excitabilidade nervosa é grande e deve sempre evitar coisas que a preocupem e tudo quanto possa incidir sobre os nervos, sobretudo as emoções muito fortes, que não tem a resistência precisa para suportar. Há uma certa propensão para a tristeza, que pode às vezes chegar até à melancolia, isto muito embora haja uma grande disposição para tudo quanto representa passatempo e diversões. Em todo o caso, há muita espontaneidade e sinceridade e uma grande impressionabilidade às coisas da vida social.

O espírito é engenhoso, imaginativo, sempre irrequieto, com facilidade em arranjar soluções para as dificuldades que lhe possam surgir, e é ao mesmo tempo preocupado e instável, sendo, porém, no fundo, intenso e violento em tudo. Há uma grande dose de subtileza e diplomacia feminina.

Fernando Pessoa
Pessoa inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

Uma flor acaso tem beleza?

Tem beleza acaso um fruto?

Não: têm cor e forma
E existência apenas.

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe

Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.

Não significa nada.

Então por que digo eu das coisas: são belas?

(Alberto Caeiro)

Fernando Pessoa
O Guardador de Rebanhos

O grande sol na eira
Talvez seja o remédio...
Não quero quem me queria,
Amarem-me faz tédio.
Baste-me o beijo intacto
Que a luz dá a luzir
E o amor alheio e abstrato
De campos a florir.

O resto é gente e alma:
Complica, fala, vê.
Tira-me o sonho e a calma
E nunca é o que é.

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenh a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...

Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!

Fernando Pessoa

Nota: 23-10-1931

Num meio-dia de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espirito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E porque toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando agente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espirito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."

E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É a minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

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Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Fernando Pessoa
Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946.

'Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, diverso, móbil e só, não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, o que passou a esquecer. Noto à margem do que li o que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.'

O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. A Natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como de não poder fitar os seus próprios olhos. Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.