Millôr Fernandes

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E convém não esquecer que bitributação é quando arrancam seis vezes o dinheiro do cidadão. Pois o normal já é tributação.

Dito e feito; tudo foi dito e nada foi feito.

Eu não quero viver num mundo em que não possa fazer uma piada de mau gosto.

Toda lei é boa, desde que seja usada legalmente.

Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados.

O Código Penal é a causa de todos os crimes!

O desespero eu aguento.
O que me apavora é essa esperança.

O que é pior - a chamada mentira piedosa ou a verdade cruel?

Música, divina música!

Tanto duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.

Por isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos. Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce, ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se aproximar mais do músico e do som.

O músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.

Uma lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes, cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico, sempre tocando, abriu a última jaula do último animal - um tigre.

Que, mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música - e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de todos:

- Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que você fez isso? E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas, perguntou:
- Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!

MORAL: OS ANIMAIS TAMBÉM TÊM DEFICIÊNCIAS HUMANAS.

Assim, desajeitados,
Carinho ocasional
Sem projeto final
Nem sonhos à distância
Sem sombra ao sol,
Também sem ânsia,
Soneto (a meu modo e maneira)

Apenas companheiros de estrada
Ruas, valas, alguns quintais,
Dias, noites, noites e dias,
Sol e chuva ocasionais
Vamos.
Onde as paralelas se encontram,
Lá,
Nos separamos.

O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece.

Millôr Fernandes
Revista Veja 508 (31 de maio de 1978)

Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.

Essa pressa leviana
Demonstra o incompetente:
Por que fazer o Mundo em sete dias
Se tinha a Eternidade pela frente?

Religião:
Resumo de todas
As descrenças.
Desprezo por quem acha
Que existe o que não há.

Em ciência leia sempre os livros mais novos. Em literatura, os mais velhos.

Você pode desconfiar de uma admiração, mas não de um ódio. O ódio é sempre sincero.

Não há problema tão grande que não caiba no dia seguinte.

Um homem que come carne por instinto é tão vegetariano quanto um homem que come vegetais por princípio. Afinal de contas a carne é transubstanciação do capim que o animal comeu.

A liberdade é um cachorro vira-lata.

Uma imagem vale mais do que mil palavras. Vai dizer isto com uma imagem.

Estranho é que o cérebro, feito essencialmente pra produzir idéias, exulte quando tem uma.

Que foi isso, de repente? Nada; dez anos se passaram. Não diga! Se somaram? Se perderam? Algumas relações se aprofundaram? Se esgarçaram? Onde estávamos? Onde estamos? E... aonde vamos? O tempo, em lugar nenhum e em silêncio, passa. É inegável - todos temos mais dez anos agora. Ainda bem, poderíamos ter menos dez. Tudo nos aconteceu. Amamos, disso temos certeza. E fomos amados - onde encontrar a certeza? Avançamos aqui materialmente, ali não, nos realizamos neste ponto, em outros queríamos mais, algumas coisas tivemos mais do que pretendíamos ou merecíamos - mas isso é difícil de reconhecer. Perdemos alguém - "Viver é perder amigos". No meio do feio e do amargo, no tumulto e no desgaste, tivemos mil diminutos de felicidade, no ar, no olhar, na palavra de afeto inesperado, que sei? Espera, eu sei. É a única lição que tenho a dar; a vida é pequena, breve, e perto. Muito perto - é preciso estar atento.

Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar.

Inserida por cauech

O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria-prima.

O otimista não sabe o que o espera.