Verônica Miyake
DOIS EXTREMOS
E lá fora a vida aflora...
Um céu limpo, um sol quente...
Corre feliz toda a gente
Antes que se acabe a hora,
Antes que o relógio pare
E leve a vida embora.
Mas o dia lá de fora
É reflexo d’um instante,
A loucura mais distante
D’um inconstante “agora”,
Porque aqui dentro chove,
Aqui dentro ninguém mora...
TRAUMA
O tempo arrastou a dor e o pranto,
Levou as folhas secas do meu mal…
E tudo passou, feito temporal,
Levando minha angústia a qualquer canto.
Ainda que o drama fosse tanto,
Esperei... já que tudo tem final!
Assim, nasceram flores no quintal
Trazendo nova vida, novo encanto.
Talvez até bastasse este presente,
Os instantes, pequenas alegrias
Ou esta tarde fria, tão somente…
Mas há horas que ainda são vazias
E há lembranças vis na minha mente:
Pesadelos devolvem estes dias!
*** DESGASTE ***
As coisas mais bonitas foram ditas
Na paz e na leveza d’um começo…
Por que vivemos hoje sem apreço,
Nas horas que não mais são infinitas?
Nenhum poema mais tu me recitas
Pudera, se anoiteces, amanheço…
Quem sabe seja este nosso preço,
Pelas palavras, hoje, tão restritas?
Eu só vi cinzas quando amanheceu,
O mesmo sol, sem ter qualquer valor,
Teus passos com os meus, aonde for…
Do que será que a gente se esqueceu?
Não bastou ser eu tua e seres meu…
Não foi regada a flor, que é o amor.
TROCANDO OLHARES
Meus olhos te olharam
Sorriram, brilharam,
Brincaram de ver
Além das imagens
Que pintam teu ser...
Melhor sem falar:
Palavras no ar
São folhas ao vento,
Do galho desprendem
Sem cor nem alento.
As falas não cabem
Se os olhos já sabem.
Assim, só te viram
Guardaram teu rosto
E se despediram.
DIAS ASSIM...
Vontade de qualquer coisa,
De fugir sem levar nada,
De chorar e dar risada
Sem precisar de motivo
Ou de qualquer incentivo…
Vontade de não sair,
Desligar o som de fora
Esquecer que corre a hora
Mergulhar só no meu mundo,
Me entender por um segundo…
Vontade de ficar só,
Conversar com meu espelho,
Suplicar-lhe um conselho
Pra depois fazer o oposto
E deixar o erro exposto.
Mas em quê fico à vontade?
Tem dias que são assim,
Uma lacuna sem fim,
Uma saudade que vem
E nem se sabe de quem…
Mundo Cego
O tempo arrasta o mundo,
Qual um trem desgovernado
Vai sem rumo, moribundo,
Leva o homem flagelado
Pro buraco que é sem fundo.
Já não pensa toda a gente
Que só de futilidades
Vem alimentando a mente:
Não enxergam mais as grades
Por viver tão livremente.
São sutis, subliminares,
As mensagens das novelas
E as músicas populares,
Que nem são assim tão belas
Mas enganam, sim, milhares.
É materialista a era,
Este tempo que é moderno,
Onde muito se venera
O que pinta bem o inferno…
E onde Deus é só quimera.
SONETO AO MEU PAI
DIA DOS PAIS
Pai, eu sei que cresci... O tempo passa;
corre rápido o rio dessa vida!
Eu bem sei quão sofrida foi a lida
que você venceu, sim, com tanta raça!
Também sei quão difícil foi a caça,
com suor toda a vida construída...
Mas eu sou muito mais agradecida
por mostrar-me o caminho, pai, da graça.
Sim, me fez da verdade tão ciente
que hoje vejo esse mundo e me comovo
com o que não mais vê todo esse povo...
Agradeço e confesso, tão carente,
que desejo que volte essa corrente
pra caber no seu colo, pai, de novo...
O QUE NINGUÉM VÊ
Vendo as horas no pulso, no qual pulsa
a batida da vida presa ao peito,
ninguém vê como o fútil é aceito,
como tratam a alma com repulsa…
E se brilha, no céu, a estrela avulsa,
ocupados estão com qualquer feito
para ver como o simples é perfeito,
já que a vida, tão breve, está convulsa.
A mim basta viver sempre à mercê
destas regras que dita a sociedade…
Quero a vida com mais serenidade!
Porque o dia que vai ninguém revê
e a estrela no céu, que ninguém vê,
se cair… Ah! Destrói qualquer cidade!
Amo contemplar estrelas,
estão lá, sempre brilhando…
Mas eu sempre labutando,
quase nunca posso vê-las.
CONFESSO QUE AINDA ESPERO…
Algum cavaleiro armado…
Sim, um príncipe encantado
montado num alazão,
que me desperte o desejo,
me ressuscite num beijo…
Me leve desta prisão!
Mas “para sempre feliz”,
do jeito que eu sempre quis,
é na verdade ilusão.
Amor pra mim é um mito,
em nada disso acredito…
E me devora o dragão!
DROGA MORTAL
Mas que droga foi esta que provei?
Vem tirando-me o sono… Oh, meu Deus!
Espalhei por teus mundos os meus “eus”
mas de mim, quase nada é que sei…
Uma flor com espinhos eu plantei,
colhi sonhos que nunca foram meus…
Assim, eles se foram: sem adeus,
e mais só do que antes eu fiquei.
Esta droga do amor é mui potente,
pois tocar as estrelas sou capaz,
mesmo sendo tal força tão fugaz…
E se fico por vezes mais contente,
eis que vem a tristeza de repente;
desde quando provei não tenho paz…
SE…
Se fosse a vida toda reescrita
e o tempo fosse pássaro enjaulado,
talvez houvesse mais amor guardado
e eu não seria esta parasita…
Se eu fosse o quanto pensa, tão bonita,
de peito aberto, olhar apaixonado,
teria do rancor me libertado
e minha paz seria infinita…
E se, talvez, a noite fosse dia
e o vento me levasse a agonia
que sinto sem, sequer, saber por que,
quem sabe, em seu abraço eu estaria?
Talvez, amor, se não houvesse o “se”,
eu me apaixonaria por você.